quarta-feira, novembro 26, 2008

Semestralidades


A ideia de Manuela Ferreira Leite de suspender a democracia durante seis meses até nem é uma má ideia, dava um jeitão para resolver muitos dos nossos problemas. A questão agora é saber como levar tal ideia à prática, já que se levantam algumas dúvidas. Desde logo saber quem exercia e quem era sujeito à ditadura, seria uma ditadura de um único partido ou optar-se-ia por um modelo mais salazarista e escolheríamos a personalidade mais apta a ser o ditador?

Escolhido o modelo de ditadura teríamos que passar à escolha do ou dos semestres durante o ou os quais viveríamos em ditadura a bem da nação, poderíamos, exemplo, poderíamos seguir a periodicidade das tendências da moda e optar por ditaduras de Primavera-Verão ou de ditaduras de Outono-Inverno. Adoptaríamos as ditaduras apenas quando desse jeito ou deveríamos adoptar uma periodicidade fixa, por exemplo, seis meses todos os anos, seis meses de vez em quando ou seis meses nos anos bissextos, neste caso ao mesmo tempo que acertávamos o passo com o tempo meteríamos ordem na casa?

A ideia da semestralidade do regime democrático não só é boa como poderia ser adoptada a outros domínios da sociedade em que ninguém se entende. Um bom exemplo disso é o ensino, durante seis meses os professores seriam avaliados, enquanto nos restantes meses poderiam seguir o modelo da “escola democrática”. Se coubesse ao Mário Nogueira a escolha dos seis meses de “escola democrática” o problema estava resolvido, os professores eram avaliados nas férias grandes, de Carnaval, do Natal e da Páscoa e, se os seis meses não fossem atingidos, ainda poderiam ser avaliados nos dois dias em que se pode faltar por causa do período menstrual, conquista que mais tarde foi generalizada aos homens e teve a designação de artigo 4.º.

O próprio PS viveria mais tranquilo se adoptasse um regime de semestralidade, ainda que, por aquilo que se tem visto, não tenha dado grandes resultado, a própria Manuela está a chegar ao fim dos seus seis meses e só de lá sairá à bomba, e não bastarão bombas de mau cheiro que é coisa que por aquelas bandas já não se nota muito. O PS viveria em paz se Manuel Alegre pudesse ser deputado do PS durante seis meses e da oposição nos outros seis meses, o ideal seria mesmo Alegre ser Presidente da República durante seis meses e primeiro-ministro nos outros seis.

A própria Manuela Ferreira Leite teria muito a ganhar se adoptasse um regime de rotação semestral de conselheiros, agora que começa a denunciar alguma falta de gosto da forma como se veste poderia substituir Pacheco Pereira nas suas funções de conselheiro e dar o lugar a Santana Lopes, o Abrupto voltava a colocar o símbolo do PSD de pernas para o ar, mas da forma como o partido está talvez fosse a solução para ficar direito.

Mas nem todos os regimes são perfeitos, a semestralidade implicaria a contratação de mais funcionários, que se ocupariam das rotinas repressivas durante os semestres de ditadura, o que teria como consequências o aumento do défice orçamental e a precariedade do emprego. O PCP, que agora dá grande atenção aos sindicatos dos magistrados e das polícias, não deixaria de exigir que os censores, torturadores e demais funcionários adstritos às funções da ditadura tivessem direito ao seu sindicato. Depois seria o espectáculo do costume, manifestações em Lisboa com os torcionários a serem gentilmente transportados para a capital em autocarros dos municípios libertados e das autarquias do PSD, para protestarem contra a precariedade do emprego, o estatuto profissional do torcionário e a avaliação do desempenho.

Ia ser o bom e o bonito ver os torcionários a assegurarem que queriam ser avaliados, mas que com tanta ficha não tinham tempo para ler tantos jornais e blogues e muito menos para ouvir a escutas telefónicas. Mais tarde ou mais cedo seriam recebidos pelos líderes dos partidos banidos por serem da oposição que manifestariam a sua preocupação com o mau desempenho da ditadura, Jerónimo de Sousa até proporia que a ditadura entrasse em auto-gestão e fossem os torcionários a gerir a “ditadura democrática”.

O mal da ideia da Manuela Ferreira Leite está no facto de o rico de a ditadura funcionar tão mal que o Jerónimo de Sousa ainda defenderia que com uma ditadura destas estava em causa a democracia de Abril. Paulo Portas asseguraria que concorreria sozinho à ditadura e Sócrates defenderia que com Cavaco reformado em Belém o mais competente em ditadura seria ele, nem que para isso fosse tirar uma licenciatura em ciência política na universidade de Havana.