terça-feira, novembro 04, 2008

O medo


Nós portugueses vivemos em permanente medo, temos medo do presente, sentimos medo de regressar à ditadura do passado, temos medo do que se pode passar do futuro, temos medo do polícia, temos medo do juiz, temos medo do chefe, do ministro e do primeiro-ministro. Vivemos numa sociedade em que o medo se instalou, em que o medo é o principal instrumento dos poderes instituídos, vivemos sob a permanente chantagem exercida pelo medo.

Veja-se o que sucedeu no fisco com a IGF a devassar os mails privados de milhares de funcionários do fisco., A mensagem passou, todos os funcionários ficaram a saber que há uma entidade que lhes pode entrar pela vida dentro e se descobrir algo que viole o estatuto disciplinar persegue-os. A IGF não hesitou em violar a lei, sabe que não tendo cometido um crime público os funcionários terão de apresentar queixa e o medo impede-os de o fazer, eles sabem que serão perseguidos. Foi esta gestão do medo que permitiu ao Inspector-geral de Finanças actuar com a mesma impunidade com que actuava a PIDE, e para que não houvessem dúvidas o ministro sancionou a actuação da IGF.

Até nos partidos impera o medo, o funcionário do PCP tem medo do controleiro e da comissão de quadros da mesma forma que o teólogo receia a Congregação para a Doutrina da Fé, o militante do PS tem medo de ser marginalizado das listas para a comissão, a autarquia ou a AR se não apregoar publicamente a sua admiração pelo líder, se for preciso até propõe os seus desenhos de construção civil para o prémio Valmor. No PSD vive-se o medo permanente de apoiar o candidato errado, até já se receia apoiar o líder logo no dia seguinte à eleição pois já ninguém sabe quanto tempo dura.

De que servem os direitos, liberdades e garantias da Constituição? De nada, os artigos da Constituição nada são ao lado dos artigos do código penal que protege tudo e todos da crítica ou em comparação com o Estatuto Disciplinar dos funcionários públicos, que não passa de um simulacro de justiça. A verdade é que há centenas de tribunais onde o poder se pode queixar de quem opina e nenhum onde o cidadão se possa queixar dos abusos do poder. Existe o Provedor de Justiça mas o cargo não passa de uma forma de conceder mordomias a um qualquer pré-reformado da política.

O poder gere o medo dos cidadãos, desde a política económica à política laboral há sempre o medo como argumento. Os portugueses sujeitam-se a sucessivas políticas de austeridade com medo que o défice excessivo resulte em desgraça maior, aceitam todas as reformas laborais porque as normas em vigor podem levar ao desemprego. As políticas não valem pelas suas virtudes, passam porque os cidadãos têm medo das alternativas. Não admira que num país de medo os governantes mais bem sucedidos sejam os que têm tiques autoritários, sucedeu na ditadura com Salazar a ser mais bem sucedido do que um Marcelo mais mole, tem sucedido em democracia com Cavaco a fazer esquecer Balsemão e Sócrates a apagar a memória de Guterres. O próprio PSD escolheu para líder uma personalidade cuja única qualidade é despertar medo.

Se nos cruzamos com um polícia temo medo de ele inventar um qualquer motivo para passar a multa, queremos justiça mas receamos o tribunal, ninguém nos garante que entramos inocentes e saímos de lá culpados sabe-se lá do quê, temos medo da ASAE pois há sempre um bom motivo para nos fechar a mercearia. Temos medo de tudo e de todos, quase receamos tropeçar na nossa própria sombra.

E se alguém decide não ter medo há logo quem o considere ou louco ou marginal. A democracia está a soçobrar face ao medo.