segunda-feira, novembro 17, 2008

Ensino, um sistema absurdo


O actual modelo de ensino em Portugal está esgotado, incapaz de produzir os resultados que a mudança do mundo exige. Foi bem sucedido na resposta à massificação do ensino mas incapaz de produzir a qualidade exigida por um mundo mais competitivo. Não vale a pena dizer que a culpa é dos professores, das políticas, dos ministros, dos pais, a culpa é de um modelo aberrante que apenas serve os que vêm no ensino o último reduto, a última das reformas agrárias.

Em vez de discutirmos a qualidade do ensino falamos da avaliação dos professores, em vez de nos preocuparmos com os alunos esgotamos as energia a discutir o estatuto dos professores. Isso não sucede por acaso, o ensino tem sido gerido em função dos professores. As associações de pais servem para gerir os ATL, os alunos não são representados por ninguém e os professores são o único grupo de pressão.

Quando se questiona a solução para melhorar a qualidade do ensino os sindicatos dizem que passa por melhorar a situação dos professores, quando se questiona o modelo de gestão das escola os sindicatos defendem a gestão democrática das escolas pelos professores, quando falamos da abertura do ano escolar os sindicatos defendem turmas mais pequenas para empregar mais professores. Tudo passa pelos professores, porquê?

Imagine-se que um jovem professor de Silves que deseja ficar na sua terra é colocado numa escola de Silves, imagine-se que fez um excelente trabalho e gostaria, tal como o conselho directivo, de continuar a trabalhar com o mesmo grupo de alunos. Só que isso não é possível, a vaga que ocupou e muito provavelmente será ocupada por outro professor, que até pode ser do Sabugal mas como tem mais uns pontos ficou à frente no concurso. O nosso professor de Silves fica no desemprego e no seu lugar fica um outro desmotivado pela distância. Ainda antes das aulas começarem a TVI vai acompanhar o novo professor na sua primeira viagem, ficamos a saber que a esposa está colocada numa escola do Minho, que têm dois filhos ao cuidado dos avós e que o dinheiro mal dá para a gasolina.

A jornalista da TVI não questionou os alunos que perderam o professor de que gostavam, nem o que vai suceder durante as semanas de atestado, nem entrevistam o conselho directivo para que este lhes conte histórias de professores deslocados. A notícia é o professor que fica a quatrocentos quilómetros de casa e a muitos mais da esposa, os filhos que não são acompanhados. A notícia não é os alunos, é o professor.

O ideal seria que o referido professor ficasse no Sabugal mas no seu lugar ficou um outro que não quer ficar lá, mas para chegar mais perto de casa concorreu à escola. O nosso professor foi parar a Silves contra vontade, o de Silves ficou no desemprego e no Sabugal está um outro que da terra só quer saber a estrada para a saída.

O sistema de colocação dos professores feito em grande escala e com a preocupação de assegurar igualdade entre todos despreza a escola e os alunos em favor de uma suposta igualdade entre todos os membros de uma classe. Aliás, a igualdade é a regra dos professores, é por isso que um professor de matemática do 5.º ano de escolaridade tem o mesmo horário e o mesmo vencimento do que o que lecciona o 12.º ano, como se a complexidade e o tempo exigido preparar aulas e avaliações fosse o mesmo. Aliás, o professor de português do mesmo 12.º ano ganha o mesmo que um outro de trabalhos manuais que fez um exame da treta e lhe conferiu um estatuto idêntico aos licenciados, uma conquista sindical.

É evidente que nesta lógica global, em que a igualdade é mais importante que a qualidade a avaliação tem um peso que não deveria ter, se for mínima gera desigualdades, se for rigorosa torna-se aberrante. Não pode ser feita a pensar numa escola porque o professor de Vila Real de Santo António terá de concorrer com o de Valença.

É uma idiotice avaliar o professor de uma escola junto a um bairro problemático com os mesmos critérios com que se avalia os de uma escola de um bairro da classe média, ou pensar que se podem aplicar os mesmos critérios ao Liceu Pedro Nunes e à escola secundária de Mértola.

Se os professores fossem contratados por escolas ou grupo de escolas a importância perderia a importância que lhe está a ser dada, serviria apenas para aferir as condições do professor para progredir na carreira e não para o comparar com milhares de outros professores. A gestão dos recursos humanos não se centrava na avaliação dos professores mas sim na sua preparação pedagógica.

A falta de coragem do Governo de alterar o modelo levou-o a levar a sua coerência a níveis que o tornam caricato. Ainda por cima está convencido de que é avaliando os professores que melhora a qualidade de ensino e, como se isto não bastasse, impôs um regime de quotas à progressão na carreira, sinal de que ele próprio não confia no processo de avaliação, como, aliás, sucede com toda a Administração Pública.

Mas será que os professores aceitam um modelo feito e gerido durante mais de duas décadas a pensar no seu bem-estar, será que aceitam uma mudança profunda nos modelos de gestão das escolas e dos seus recursos humanos?

De uma coisa estou certo, o Partido Comunista Português e a Fenprof dispor-se-iam de imediato a aceitar o modelo que agora recusam e que poderá levar o PCP a eleger mais um ou dois daqueles deputados que ninguém vai ouvir falar e que antes de irem parlamento assinam uma carta em branco, do que aceitar tal mudança. O actual modelo mais do que o ensino favorece os sindicatos e os professores são necessários às finanças da CGTP, muitos professores sindicalizados significa mais dinheiro em quotas e mais militantes do PCP pagos pelo Estado para serem colocados nos sindicatos.

Com o actual modelo a Fenprof arranja sempre bons motivos para sincronizar a agenda sindical com o calendário eleitoral, se não é o estatuto dos professores é a avaliação, se não é a avaliação é a precariedade, se não é a precariedade é a escola democrática, se não é a escola democrática são as aulas de substituição, motivos não faltam. E com o actual modelo de gestão o PCP tem uma participação na gestão das escolas muito superior ao seu peso eleitoral, os seus militantes estão sempre disponíveis para fazerem o sacrifício de irem para os conselhos directivos. Dessa forma poderão opor-se mais eficazmente às políticas governamentais.

Mais importante do que a avaliação dos professores é a avaliação das escolas, em vez de gastar as energias a avaliar os professores o país deveria estar a investir nas escolas, em vez de exigir uma bom desempenho de cada professor, tarefa que deveria caber a cada escola, o ministério deveria estar a exigir e criar condições para um bom desempenho das escolas. E um bom desempenho das escolas depende de muitos factores, o bom desempenho dos professores é apenas um deles.

Em vez de discutirmos a qualidade do ensino estamos a discutir ficções, uma avaliação impossível de todos s professores segundo os mesmos critérios, a gestão democráticas das escolas que nunca o foi e não passa de um modelo corporativista de auto-gestão. Como não podia deixar de ser um modelo monstruoso de ensino tinha de exigir um modelo monstruoso de avaliação. Mas será que os professores e os sindicatos querem mesmo uma mudança profunda das escolas? Acredito que os professores, ainda que com muitas resistências, aceitariam o desafios, quanto aos sindicatos nem pensar, o actual modelo foi feito à medida do seu poder.

O modelo implementado é tão absurdo e aberrante quanto o actual modelo de gestão dos recursos humanos das escolas, não faz sentido defender o actual estado de coisas e opor-se apenas ao modelo de avaliação.