sexta-feira, maio 08, 2009

Cavaco põe o carro à frente dos bois

Há qualquer coisa de errado neste debate sobre o bloco central, o mesmo político que se notabilizou por ter posto fim ao governo de coligação PSD/PS e avançou para um governo minoritário, mais minoritário do que o governo do PS caso de confirmassem as sondagens vem agora falar de soluções de governo, chegando mesmo a chamar os partidos a Belém?

Que me recorde a situação do parlamento saído das eleições ganhas pelo PSD em 1985 era bem mais complexo do que o actual, Cavaco Silva formou um governo com 29,87% dos votos, isto é, menos do que os mais de 30% que as sondagens dão actualmente a Ferreira Leite e muito menos do que os 40% de Sócrates. Além disso o PS tem várias soluções de alianças à esquerda, situação que no passado não sucedia, o PSD ou se coligava ou governava sozinho, Cavaco Silva recusou qualquer coligação, nem mesmo com o CDS, e governou com um governo que nem sequer poderia ser considerado representativo da vontade dos portugueses.

Há também algo de muito errado nesta preocupação de Cavaco Silva, até parece que a crise que tanto o absorvia já é assunto do passado e que as eleições europeias já se realizaram. Quando os eleitores deveriam estar a discutir as eleições europeias Cavaco Silva, um Presidente da República, introduz a questão do Bloco Central no debate político, solução de governo que mereceria ser discutido se Manuela Ferreira Leite concretizar o objectivo com que se candidatou à liderança do PSD. Não tenho memória de um presidente ou de um monarca europeu andar a discutir soluções de governo meses antes das eleições legislativas.

Ao que parece o Presidente da República quer que seja desenhada uma solução de governo muito antes das eleições, isto é a vontade dos eleitores só conta para fins estatísticos. Cavaco começa por mandar recados cirúrgicos, depois ouve o presidente do sindicato dos magistrados do Ministério Público à margem da cadeia hierárquica, e quando são publicadas as primeiras sondagens que apontam para a possibilidade de não haver uma maioria absoluta lança o debate e apressa-se a receber os partidos para discutir as soluções de governo.

A tradição constitucional portuguesa mandava o Presidente da República ouvir os partidos a seguir às eleições, escolhido o primeiro-ministro depois de haver uma solução de governo este era escrutinado pelo parlamento. Parece que agora as coisas são diferentes, depois de publicada uma sondagem o Presidente da República chama os partidos a Belém para discutir soluções de governo vários meses antes das eleições. Será que vai ter a mesma iniciativa quando forem publicadas sondagens em relação às próximas presidenciais?

A ideia até é simpática, mas nesse caso O Jumento vai fazer a sua própria sondagem eleitoral, depois manda os resultados para a Presidência da República para que o Presidente volte a convocar os partidos para discutir as soluções governativas resultantes da nova realidade política. Dirão que O Jumento não é uma entidade credível para fazer sondagens,. São capazes de ter razão, mas nesse caso terei de questionar o valor das sondagens feitas em Portugal, se tivessem fiabilidade João Soares teria ganho a Santana Lopes e Cavaco não teria obtido a segunda maioria absoluta, só para dar dois exemplos. Por este andar ainda alguém se lembra de convidar a CIP a fazer sondagens, tal como sucedeu com os estudos da CIP, serão tão certas e científicas que algum acérrimo defensor do presidencialismo ainda se lembrar de dizer que poderíamos poupar-nos ao trabalho de organizar legislativas.

Cada vez sinto mais uma estranha sensação no nariz quando Cavaco Silva fala ou tem intervenções políticas.