A crise económica explica-se por uma mudança de paradigma no mercado financeiro, da mesma forma que o aumento da procura de petróleo levou a uma mudança de paradigma, imagino mesmo que o aumento de muçulmanos na Europa levou a uma mudança de paradigma no relacionamento entre a sociedade e as igrejas. Tudo se explica por uma mudança de paradigma.
No passado foram moda os “clusters”, as “sinergias”, a “subsidiariedade” e muitos outros termos com que a nossa intelectualidade engraçou. Desde políticos maçaricos a professores catedráticos não dispensam o recurso aos termos na moda sob pena de serem acusados precisamente de não estarem na moda. Não utilizar chavões é a mesma coisa que aparecer no emprego com sapatos, peúgas, fato de banho, camisa, gravata e casaco.
Aliás, este recurso a chavões como afirmação cultural é mais do que uma moda, há chavões que perduram durante décadas, transformaram-se mesmo numa indumentária obrigatória. Da mesma forma que às senhoras era aconselhável usar lenço quando entravam numa igreja, os funcionários deveriam usar a expressão “salvo melhor opinião” sempre que faziam uma proposta por escrito ao chefe, no mesmo momento em que ousavam propor algo declaravam a sua submissão intelectual, por definição em Portugal o chefe pensa melhor do que o chefiado, se assim não fosse não teria sido nomeado.
Os portugueses têm esta tendência ridícula de adoptar chavões transformando-o num código de linguagem que identifica cada grupo. O facto de as nossas elites intelectuais optarem por modas é uma forma de se distinguirem do iletrado, o ignorante passa uma eternidade a explicar um fenómeno, o intelectual de primeira água explica tudo com três palavras, há uma mudança de paradigma. Quando o comum dos mortais começar a usar a mudança de paradigma vai aparecer outro termo que permita distinguir a gente fina.
É com a linguagem da mesma forma que é com as marcas da moda, tudo serve para identificar grupos e para distinguir classes, ainda não compreendemos que ricos ou pobres, letrados ou analfabetos, políticos com sucesso, estamos infinitamente mais próximos uns dos outros do que aquilo que alguns pretendem. A diferença entre a fortuna de Bill Gates e a de Belmiro de Azevedo é muito superior à diferença entre a riqueza do conhecido empresário português e a do merceeiro da minha rua, ou mesmo de um qualquer sem-abrigo do Terreiro do Paço.
Por falar em mudança de paradigma é caso para dizer que as nossas elites ainda não perceberam a mudança de paradigma ocorrida na sociedade na sequência da globalização, a escala das diferenças deve ser vista à escala global e como se viu com a recente crise financeira só a fortuna perdida por um dos nossos financeiros dava para que um qualquer sem-abrigo fosse recebido pelo primeiro-ministro e daí seguisse para jantar com o Presidente da República.
Tinha razão o meu patrício António Aleixo quando escrevia:
Uma mosca sem valor
poisa c’o a mesma alegria
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.