Os mesmos eu querem um país governado à margem de regras constitucionais são os grandes defensores do consenso, o mesmo presidente que nada faz para defender ou fazer cumprir a Constituição é o campeão da promoção do diálogo. Há aqui qualquer coisa de errado, é a Constituição é um conjunto de regras que resultaram de um consenso alargado, isto é, os grandes defensores do consenso são os que recusam as regras de um consenso social e político com décadas.
Como é possível chegar a um consenso com quem desrespeita aquilo que já é consensual e que resultou de um acordo no passado, como é possível confiar num acordo com gente que desrespeita os acordos que assinou no passado? Como é possível acreditar nos acordos promovidos por um Presidente que ignora os acordos com base nos quais funciona a democracia?
No tempo em que o ministro Vítor Gaspar era a top model que abria as passagens de moda dos estilistas alemães da austeridade ninguém falava em consenso, Cavaco Silva não andava preocupado com o pós troika e prometia crescimento a toda a hora, primeiro para o segundo semestre de 2011, depois para o mesmo semestre de 2012 e assim sucessivamente. O país está assistindo a um espectáculo pouco digno, governo e presidente juntam-se numa manobra de propaganda que designam por diálogo e que visa transferir para a oposição as responsabilidades pelos seus falhanços.
O mesmo governo que inventou desvios colossais para justificar mais austeridade, que renegociou sucessivamente o memorando sem dar conta a todas as partes, que ainda há poucos meses exibia o sucesso da ida aos mercados e se colava à Irlanda enquanto ofendia a Grécia com declarações públicas de dignidade duvidosa, que dizia ser mais celta do que grego, quer agora encobrir o seu fracasso sob forma de um segundo resgate disfarçado e apoiado em mais austeridade que, aliás, a troika já tem vindo a sugerir para 2014 e 2015. De celtas só temos verdadeiros druidas, até temos uma santinha na Horta Seca que não se cansa de anunciar milagres.
A fantochada é tal que esta nova tentativa de consenso começou com o guião do CDS para a reforma do Estado e acabou com a necessidade de um acordo em torno das medidas de austeridade que viabilizem um segundo resgate. À beira do falhanço perceberam que o país tem uma Constituição, que há um Tribunal Constitucional, que existem forças armadas e que o povo não está disposto a regressar à ditadura.
O consenso de que a direita , governo e presidente da República falam não é mais do que uma tentativa de transformação do parlamento numa Assembleia Nacional onde o chamado "arco da governação" seria convertido numa União Nacional, cabendo ao PS o papel inútil de ala liberal e os restantes partidos seriam ignorados, como se não existissem. Os consensos não servem para transformar democracias em ditaduras mal disfarçadas.