Vale a pena analisar a sequência
de acontecimentos ocorridos em consequência da invasão pacífica das escadarias
do parlamento por parte de manifestantes das polícia numa perspectiva humana,
esquecendo as diferenças políticas, partidárias ou profissionais dos diversos
intervenientes. E vale a pena porque estamos perante uma situação de puro
cinismo e oportunismo político.
Antes de mais, é ridículo tratar
as escadarias do parlamento como território sagrado, como se fosse o altar de
Fátima. Também não vale a pena exultar de alegria porque estes manifestantes
tiveram a oportunidade de bater à porta do parlamento, transformando as paredes
de São Bento num muro de lamentações. O facto é que a manifestação acabou por
ser pacífica, não se tendo repetido as cenas dramáticas dos secos e molhados
que encharcaram a legislatura de Cavaco Silva.
O governo ficou feliz até
perceber que estava em contradição, estava feliz porque não ocorreu uma cena de
pancadaria, estava nervoso porque a autoridade fica bem a um governo de direita
que se preze. Solução: fazer rolar cabeças e foi isso que o ministro disse, é
necessário exibir cabeças ao povo na pira sacramental do governo da direita.
O governo não apurou
responsabilidades, não avaliou competências, limitou-se a exibir a cabeça do
responsável máximo da PSP, aparentemente o único interveniente que demonstrou
alguma coragem. Mas se perante tal pecado se exigia o sacrifício de um
responsável máximo porque não foi a cabeça do ministro a ser exibida.
O ministro foi tudo menos corajoso,
desapareceu, mandou a notícia da demissão do responsável da PSP para os jornais
por canais menos claros e sem dar a cara, o país esperou um dia inteiro que
aparecesse, o próprio primeiro-ministro começou por delegar no ministro a
responsabilidade pelo esclarecimento público para depois se ver confrontado com a
necessidade de ser ele próprio a fazê-lo, enquanto Cavaco dizia que não sabia
muito bem o que se tinha passado.
No fim promove-se um inquérito e
o ministro diz que o que se passou é história ao mesmo tempo que empossava na
chefia da polícia o responsável operacional pelo aparente falhanço policial. No
meio de tudo isto os únicos que se portaram com dignidade foi o director
nacional da PSP e os polícias presentes no parlamento, os que se manifestavam e
os que estavam de serviço. Tudo o resto mais do que história foi um espectáculo
triste de falta de coragem, de ausência de princípios e de muito pouca
dignidade.