quarta-feira, abril 16, 2008

Os espontâneos


A grande novidade política dos últimos meses são os “espontâneos”, cidadãos que se manifestam espontânea e anonimamente representando a maioria dos portugueses ainda que estes por ignorância não saibam, não os percebam ou não estão devidamente preparados para os reconhecer como seus representantes.

Ainda nos últimos dias a comunicação social dava conta de uma grande divisão entre os professores, de um lado os sindicatos que negociaram um memorando de entendimento com a ministra da Educação e do outro os espontâneos que representam a maioria dos professores, que melhor do que ninguém sabem defender a escola pública e o ensino democrático. Até Ana Benavente, uma cidadã que por ter sido secretária de Estado não pode alegar o estatuto de espontânea veio espontaneamente apoiar os argumentos dos espontâneos.

Por definição, os espontâneos manifestam-se espontaneamente em locais onde aprecem graças à tecnologia dos telemóveis, à hora certa e no local combinado lá aparecem os espontâneos com dezenas de cartazes iguais produzidos graças a momentos espontâneos de criatividade combativa e gritando palavras de ordem ou chamando a Sócrates nomes que surgiram espontaneamente no momento em que se juntaram.

Para os jornalistas o critério para distinguir uma manifestação de espontâneos de um grupo de conhecidos que vão tomar café é o que antigamente era seguido pela polícia de choque, mais de quatro são uma manifestação. Para que uma manifestação de espontâneos seja notícia e, por conseguinte, merecer a deslocação de um carro de exteriores basta que hajam mais de quatro manifestantes. Se os manifestantes forem em maior número, estiverem espontaneamente à espera de Sócrates e lhe chamarem fascista ou lhe ofenderem a mãe, então temos uma grande manifestação de espontâneos que apenas tem por inconveniente a dificuldade em distinguir os espontâneos dos jornalistas que espontaneamente ali apareceram.

Os nossos jornalistas especializaram-se em manifestações de espontâneos, muitos dias antes da manifestação já estão a noticiar o local, hora e tema da próxima manifestação espontânea. Os temas são variados, a avaliação dos professores, um hectare de milho transgénico, um serviço de urgência, tudo é um bom motivo para os espontâneos se manifestarem.

Os próprios partidos já se adaptaram ao novo fenómeno respeitando a espontaneidade dos manifestantes, até podem ser seus militantes mas quando participam na manifestação espontânea, são apolíticos, apartidários, muitos deles até votaram no PS mas estão arrependidos e já pediram perdão à NS de Fátima por tal pecado. Há espontâneos do PSD a manifestarem-se contra a ministra da Saúde em Chaves, espontâneos do PCP a chamarem fascista a Sócrates à porta das sede do PS, espontâneos do Bloco na gloriosa batalha campal contra o milho transgénico do latifundiário algarvio, até o António Costa festejou a sua eleição em Lisboa com espontâneos da terceira idade que vieram das Beiras para vitoriar o seu político preferido. Só o Sócrates é que ainda não aderiu à moda e quando organiza as suas cerimónias preferem contratar o pessoal a agências de casting.