segunda-feira, julho 23, 2007

Estudar é um frete!


Dantes era tudo mais fácil, a televisão abria ao fim da tarde com o hino da RTP, se não houvessem muitas interferências até se conseguia ver com alguma nitidez, ainda que a preto, branco e cinzento. Havia tempo para repetir a tabuada até à exaustão, jogar ao berlinde implicava companhia e bom tempo, a bola dava cabo dos sapatos que tinham que durar a estação. Havia espaço para o estudo, a tabuada ficava colada às paredes do cérebro, o estudo estimulava o raciocínio e a memória, o tempo permitia a reflexão e a filosofia fazia sentido.

O mundo mudou, o mesmo estudo que levou ao desenvolvimento científico que nos permite gozar a vida com prazer tornou-se agora um frete. O objectivo já não é o saber, é o sucesso e para o conseguir há soluções mais simples. Quando fui professor em Grândola, região onde a cortiça enriquece muita gente sem grande esforço, perguntava a muitos alunos a razão de não se esforçarem muito, a resposta era sempre a mesma: “Estudar paquê? O mêpai tem dinhêro!”.
A pedagogia da treta tem dado uma preciosa ajuda, em vez de procurar ensinar mais com o mesmo esforço tem tido por objectivo ensinar o menos possível e com o menor esforço. A tabuada foi banida, os exercícios de memória são ideologicamente inaceitáveis, os exames são contra-revolucionários e são-no ainda mais se também servirem para avaliar os professores. A boa memória é sinal de marranço, algo tão condenável como ser militante da extrema esquerda e frequentar um bordel, a capacidade de raciocínio é dispensável.

Os ministros da educação desdobram-se em esforços para alcançarem melhores resultados nos exames sem que nada mude na qualidade do ensino. Todo o pensamento especulativo tornou-se supérfluo, a filosofia foi condenada, os alunos portugueses dedicam mais horas a coisas importantes como fazer tapetes e púcaros de barro do que a estudar filosofia. Alguém descobriu que os tapetes e os púcaros de barros são importantes para o desenvolvimento psico-motor. A imagem de marca do aluno do preparatório é uma criança carregando uma imensidão de livros na mochila que leva nas costas e as mãos cheias de tapetes.

A calculadora dispensa a tabuada, para que o aluno fique a saber que dois e dois são quatro contratam-se especialistas em pedagogia que escrevem quilos de livros onde tal conclusão científica exige páginas de bolinhas e quadradinhos. A pedagogia da treta, ideologicamente correcta, tem por objectivo o menor esforço. Aprender tornou-se um acto de prazer, mesmo que isso signifique fazer que se aprende sem ter aprendido o que quer que seja.

O ginasta repete os exercícios até à exaustão, até que os músculos se desenvolvam e o exercício saia na perfeição no momento da prova. O mesmo sucede com o tenista ou com o velejador, com o torneiro ou com o cirurgião. Mas com o aluno não, repetir, desenvolver a capacidade de memorização ou o poder do raciocínio é condenável.

Num país onde impera a lei do menor esforço é na escola que tudo deve começar, até porque é em pequenino que se torce o pepino, neste caso se deixa o pepino direito. Lançamos gerações atrás de gerações num mundo para o qual não estão preparados. Não me admira, afinal em Portugal o sucesso passa por tudo menos pelas capacidades individuais, a escola não é o ponto de partida para uma carreira bem sucedida. Até temos no primeiro-ministro o exemplo de como se pode ir longe seguindo a lei do menor esforço.