Portugal está a transformar-se no “país de luxo”, vou a uma loja da TMN para tratar de um acesso de banda larga e sou atendido por uma licenciada em biologia pela Universidade Nova de Lisboa. Só mesmo um país com excesso de recursos se pode dar ao luxo de investir milhões em ensino e os jovens que conseguem passar pelo crivo do insucesso escolar acabam de t-shirt azul a preencher boletins de adesão a serviços de telecomunicações, ou a vender acessos de banda larga de porta em porta como já tive oportunidade de constatar ao ser abordado por um licenciado em geografia pela Faculdade de Letras de Lisboa.
Não vou imitar o ministro Mário Lino e brincar com a licenciatura do primeiro-ministro, ainda que por este andar um país de empregados de mesa licenciados acabe a ser governado por políticos que conseguiram licenciaturas por correspondência numa universidade virtual com sede no nordeste brasileiro. A tentação de brincar é muita mas como me estou nas tintas para as habilitações de Sócrates, que está bem empregado, regresso à seriedade do tema. E perguntar-me-ão o que tem a ver esta realidade com a proposta de um choque de competitividade. Talvez tenha.
A falta de competitividade na economia portuguesa é um fenómeno de séculos, os quase 50 anos de ditadura consolidaram uma cultura de proteccionismo, continuado com uma democracia sem coragem. No Estado impera a subserviência, na escolha das chefias a competência não é tida em conta, nas promoções o factor política ou graxa é dominante.
As empresas não têm uma cultura de competitividade, muda-se quando não há alternativa e são muitos os sectores que vão desaparecendo porque apenas se investiu o menos possível para aproveitar negócios de ocasião. As empresas são competitivas q.b., limitam-se a explorar os negócios de ocasião, não fazem o menor esforço para encontrar novos mercados, novas soluções de negócio ou novos produtos. São poucas as que se antecipam às mudanças nos mercados apostando em novas soluções tecnológicas e muito menos as que aposta na inovação, não precisam.
Numa economia de oportunidade os ganhos não advêm da competitividade, os ganhos resultam dos bons negócios que vão aparecendo, o aumento de produtividade consegue-se com reduções salariais e a preocupação dos decisores da política económica tem sido precisamente assegurar que os nossos salários sejam mantidos a níveis baixos. No passado isso resolvia-se com desvalorizações da moeda, hoje sucessivas políticas de austeridade que operam transferências brutais de rendimentos dos mais pobres para os mais ricos.
O grande paradoxo desta situação reside precisamente no mercado de trabalho, onde a rigidez impede a mobilidade, sindicatos e patrões estão de acordo em defender um tipo de empresa que vive dos baixos salários. É evidente que muitos empresários gostariam de piorar um pouco as coisas, mas estão de acordo no essencial, proteger a empresa típica.
Para os sindicatos esta situação também interessa, o licenciado em geografia e a licenciada em biologia não pertencem a nenhum sindicato, não sabem da existência de estruturas políticas celulares que estão para as empresas tradicionais como qualquer vírus está para um organismo doente. Num mercado competitivo as estruturas tradicionais dos sindicatos perdem influência, o modelo de organização imposto pelo PCP para assegurar a continuidade da sua influência torna-se ineficaz. O PCP e os sindicatos estão de acordo com os nossos piores empresários, a economia não pode mudar. Uns são contra a flexisegurança por causa do “segurança” enquanto os outros temem pela sua sobrevivência e lutam desesperadamente contra o “flexi”.
De fora ficam as noivas gerações que entram num mercado de trabalho sem regras, sem segurança e sem qualquer contrapartida por uma flexibilidade digna dos tempos da revolução industrial. Empresários e sindicatos unem-se na defesa de um modelo económico e num mercado de trabalho herdado do salazarismo, só não defendem o corporativismo por vergonha.
Numa economia sem competitividade as novas gerações não têm futuro, mas isso pouco importa aos que hoje detêm o poder, nas empresas, nos sindicatos ou na política, defendem os interesses instalados, ou seja, os seus próprios interesses. Afinal o corporativismo não carece de PIDE e até se pode dar às mil maravilhas com o PCP e os seus sindicatos.