Passeio pelas arcadas da Praça do Comércio e cruzo-me com o maior hotel sem charme da Europa, colunas pintadas com suásticas, os turistas que dão dinheiro à capital especados a olhar para aquele dormitório improvisado, a florista tentando que as flores não cheirem a urina, a velha defecando enquanto turistas e funcionários apressados almoçam no Martinho da Arcadas, uma exposição degradada a preencher as colunas, o centro da praça transformado num imenso outdoor alugado a uma TMN sem gosto para a publicidade, o Cais das Colunas aberto mas mal amanhado.
Dizem-me que vão retirar os carros da baixa, uma zona do rio é reservada para contentores, o Cais do Sodré foi tomado pelos monos da Administração de Lisboa, a Praça do Comércio será reservada para quem quiser andar a pé ou tiver paciência para carregar a bicicleta às costas e depois dar umas pedaladas à volta do cavalo do D. José. Que vão deixar de andar carros por ali, que os advogados e muitos profissionais acabarão por deixar de se sentir atraídos pela baixa, que os funcionários terão mais dificuldades em chegar ao serviço, que por quem lá trabalha estará desejando abandonar.
Cada empresa que abandonou a baixa, cada alteração do sistema de transportes que afastou as pessoas das ruas, cada modernização tem custado à Baixa centenas de consumidores, ficam os turistas dos paquetes que sobem e desce a Rua Augusta com autocolante ao peito, compram uma garrafa de água e um postal daqueles em que aparece uma beldade de nádegas à mostra enquanto seguram uma melancia, a imagem que é vendida como típica, seguem apressadamente para a Rua da Alfândega a caminho do almoço que é servido a bordo.
Agora é a Manuela Ferreira Leite que já não sabe o que fazer das sondagens e lança a candidatura da má moeda na esperança de que os artistas revisteiros que costumam apelar ao voto em Santana lhe dediquem uma qualquer peça num dos seus teatros decadentes.
Bolas, Lisboa a capital do que já foi um império, a cidade de Pessoa, uma das grandes capitais europeias merecia melhor, merecia candidatos à sua altura, merecia ser gerida por gente que gosta dela. Talvez seja tempo de acabar com esta lógica de “formigas e cigarras” e dar à cidade uma autarquia à altura da sua dimensão.