Depois de anos de pasmaceira e tranquilidade parlamentar, Alegre despertou para o poder e falhou por duas vezes, muito por culpa de Sócrates mas também por um PS que não lhe reconheceu na antiguidade e na auto-avaliação argumentos válidos para o eleger para ser líder. Perdeu contra Sócrates nas directas e ficou afastado da possibilidade de ser primeiro-ministro, voltou a perder nas presidenciais.
O que pretende Alegre, ser poder ou influenciar o poder?
Influenciar o poder é algo que já conseguiu, dividiu o eleitorado em Lisboa e conseguiu a demissão de um dos melhores ministros deste governo para lá colocar uma das suas, uma ministra cujo mandato se tem caracterizado pela inércia e que só deu nas vistas quando mostrou em pleno debate parlamentar do orçamento que desconhecia os números mais elementares das contas do seu ministério. Conseguiu uma grande vitória de “esquerda”ao dar razão a autarcas do PS e pondo fim à reforma do SNS.
Se o objectivo de Alegre é influenciar o poder pode consegui-lo de duas formas, fazendo chantagem recorrendo à ameaça da criação de um novo partido, estratégia que tem seguido até aqui, ou criando o seu próprio partido. Se pretende chegar ao poder pode tentar fazê-lo criando um partido na perspectiva de vir a alcançar uma coligação com o PS, no pressuposto de que o seu novo partido impedirá uma nova maioria absoluta, ou preparar manter-se no PS aguardando pelas próximas presidenciais.
Comecemos pelo último cenário, uma candidatura presidencial. É muito pouco provável que uma candidatura de Alegre consiga vencer nas próximas presidenciais, para isso seria necessário que Cavaco Silva perdesse a simpatia do eleitorado, algo pouco provável num cargo em que não se assumem responsabilidades governativas, só num eventual conflito com Sócrates o actual Presidente da República correria o risco de ver reduzidas as suas expectativas eleitorais.
Para conseguir vencer umas presidenciais Manuel Alegre teria ainda que contar com o pleno do eleitorado de esquerda, o eleitorado do centro dificilmente votará numa candidatura promovida pelos antigos militantes da UDP, OCMLP, LCI e comunistas arrependidos e militantes do PS arredados dos gabinetes ministeriais pró José Sócrates. Ora, começa a ser evidente que Alegre nunca contará com o apoio de um PCP que tem sido especialmente cordato com Cavaco Silva. Ao dar a mão ao BE na sua luta por superar o PCP Manuel Alegre compromete definitivamente o apoio do PCP a uma candidatura presidencial, algo ainda mais difícil quando se percebe existir uma tentativa de dividir o PCP. O PCP avançará com o seu próprio candidato esperando que Cavaco Silva ganhe na primeira volta. Dificilmente o PS proporá a candidatura de Manuel Alegre depois deste negociar com Louçã a forma de tirar o próprio PS do governo.
Excluída uma vitória presidencial resta a Alegre influenciar o PS ou criar um partido.
Se a intenção é influenciar o PS a solução passaria por conseguir mais deputados alegristas no parlamento saído das próximas legislativas, mas isso significaria o suicídio político de Sócrates, depois de ver Manuel Alegre sentado no PS mas a votar com Louçã o líder do PS não cairia na asneira de emprestar parte do seu grupo parlamentar a Francisco Louçã.
Para ganhar deputados a corrente de Manuel Alegre tem que demonstrar ter peso no PS e não junto dos deserdados da extrema-esquerda em sessões na Reitoria. O peso de Alegre é o que demonstrar ter no PS e não em sessões públicas apoiadas no Bloco de Esquerda. Dificilmente Alegre correrá o risco de medir forças no PS, já foi derrotado uma vez por Sócrates e desta correria o risco de ver o seu partido transformá-lo numa personagem que faria lembrar o Eduíno Vilar do PSD. Portanto, a estratégia de influenciar o PS só será eficaz enquanto resultar a chantagem, isto é, enquanto houver tempo útil para lançar um novo partido. Um governo do PS nunca aceitará ser comandado pela extrema-esquerda de Louçã, ainda por interposta pessoa.
Resta a Manuel Alegre ir votos, mas ir a votos com o quê? O que Louça deseja é ultrapassar o PCP, não é partilhar o seu espaço eleitoral com Alegre e o seu movimento. Se Louça não deseja uma aliança muito menos desejará um partido a concorrer no mesmo espaço eleitoral. Para o BE o ideal é que Alegre continue dentro do PS a promover o descontentamento, Louça apena pretende que algum eleitorado descontente vote no Bloco em vez de se abster ou votar no PCP e para isso a bênção de Manuel Alegre pode ser importante.
É uma ilusão pensar que os que votaram Alegre nas presidenciais vão agora votar Alegre como candidato a dividir o eleitorado do PS facilitando a ascenção de Manuela Ferreira Leite. Os que votaram Alegre não queriam Soares e muito menos quererão Manuela Ferreira Leite ainda que isso permita a Alegre retomar o seu estatuto de deputado. Nem um partido de Alegre seria decisivo num futuro parlamento, nem conseguiria assumir a liderança de uma “maioria de esquerda”, conceito abandonado pelo PCP e agora retomado por militantes alegristas, nem o PS, nem o BE e muito menos o PCP o aceitariam.
A manobra de Alegre e Louçã não resultará em qualquer unidade de esquerda, não passa de um negócio conjuntural entre um Louçã que luta por superar o PCP e um Alegre que ainda não percebeu porque razão não chegou nem chegará a primeiro-ministro ou a Presidente da República. Manuel Alegre só terá protagonismo enquanto for deputado do PS e votar contra as propostas do seu partido ou enquanto for militante do mesmo PS para ameaçar uma cisão do PS. Quando for um idoso líder de um pequeno partido da oposição deixará de ser notícia.