sábado, dezembro 13, 2008

Saudades do tempo de John Maynard Keynes


No tempo de Keynes era tudo mais fácil, as economias dependiam largamente do mercado interno, a generalidade dos trabalhadores tinham baixas qualificações, as crises eram de sobreprodução, o peso do Estado era diminuto, os orçamentos costumavam ser equilibrados. Bastava uns investimentos públicos e, mais tarde ou mais cedo, tudo regressava ao normal, o aumento dos impostos quase bastava para repor o equilíbrio orçamental. O próprio comportamento dos consumidores era expectável, os ricos eram poucos e consumiam sempre o mesmo e os trabalhadores recorriam sempre à mesma ementa, com o aumento do emprego era certo que aumentava o consumo de feijão e bacon.

Agora é tudo mais complicado, o aumento do investimento público já não tem os resultados do passado, o efeito multiplicador já não é tão linear como nos tempos de Keynes. O investimento cria emprego mas é muito pouco provável que sejam os desempregados a encontrar emprego, o mais provável é que aumente a procura de emigrantes e que os que foram lançados no desemprego pela crise continuem desempregados.

A superação da crise passa pelo aumento da competitividade das empresas e o investimento público resulta na criação a curto prazo de emprego não qualificado. Mesmo os trabalhadores não qualificados que estão desempregados optam por manter o subsídio de desemprego do que a deslocarem-se para onde se localizam as grandes obras públicas, perdendo parte do ordenado com a deslocação.

Os ganhos obtidos com o investimento público não chegam à generalidade das empresas, beneficiam essencialmente as grandes empresas de obras públicas que, coincidência ou talvez não, são as mais envolvidas no financiamento dos partidos e dos vícios privados dos políticos. A economia de hoje produz um número infinitamente maior de produtos que permitem às empresas que os produzem sobreviver e aos seus trabalhadores manterem o emprego. As grandes obras públicas influenciam um segmento muito reduzido das relações inter-sectoriais da economia, contribuindo muito pouco para que a grande maioria das empresas superem os seus problemas.

As empresas mais beneficiadas por estes investimentos são as que menos dificuldades enfrentam e que menos influência terão no futuro desenvolvimento económico, investe-se agora tudo nas empresas de mão-de-obra intensiva e esquecem-se as empresas de capital intensivo, aposta-se nas empresas que dependem do mercado interno e despreza-se as que apostam na exportação. Uma boa parte deste investimento, para além de se traduzir no aumento da dívida pública acelerará o desequilíbrio externo. A verdade é que a economia portuguesa beneficiará mais dos investimentos lançados em Espanha, França ou Alemanha do que os lançados em Portugal, este é o grande paradoxo das decisões que se avizinham, ganhamos com o investimento público dos nossos parceiros e perdemos com o nosso.

Resta esperar que as obras públicas sejam orientadas para a modernização, dando prioridade à construção de novas escolas, universidades, centros de investigação, etc. Mas não é isso que costuma suceder, é mais fácil desenhar cem quilómetros de auto-estrada do que projectar uma escola.

Ao contrário do que sucedia noutros tempos, o peso do Estado é esmagador, a regra dos orçamentos é o défice, a dívida pública asfixia a economia. Mais investimento público significará mais défice que, por sua vez, se traduz no aumento da dívida o que coloca duas questões: qual o impacto que no futuro essa dívida vai ter na economia e quem e como será paga.

Os planos feitos à pressa poderão dar a ilusão de crescimento e dão um grande jeito em tempo de eleições, mas receio que a crise actual não seja superada e que os paliativos adoptados apenas resultem no agravamento da crise estrutural da economia portuguesa que, por razões eleitorais, os políticos preferem esquecer.