Não tenho memória de um ano em que não tenha ouvido os governantes falarem em crise, umas maiores do que outras as crises sempre estiveram presentes na economia portuguesa. E se não houver crise adoptam-se receitas de austeridade para evitar a crise.
Os funcionários públicos há anos que vêem baixar o seu rendimento real e desde que Manuela Ferreira Leite chegou a ministra das Finanças foram diabolizados como se fossem os responsáveis de todos os males. Todas as reformas da Administração Pública foram orientadas com base em dois pressupostos: que trabalham o menos possível e que ganham demais antes e depois da aposentação.
A chamada classe média há anos que suporta uma carga fiscal crescente para compensar o excesso de despesa e a ineficácia d fisco, o défice público é sempre suportado à sua custa. Em contrapartida tem que recorrer cada vez mais aos serviços privados, depois de pagar impostos tem suportar os custos do acesso à saúde e do ensino privado porque nem o SNS nem a escola pública dão respostas de qualidade.
Para os empregados de sectores eternamente em crise, como, por exemplo, o têxtil, há anos que suportam a crise. Se a actual crise resulta num aumento do desemprego isso pouco agrava a situação dos que já eram vítimas do desemprego quando supostamente a crise não era tão grave.
A grande novidade da actual crise, para além da dimensão e complexidade, reside no facto de nesta vez alguns dos mais ricos lhe terem tomado o sabor, desde Pinto Balsemão, que está atrapalhado com o seu investimento no BPP, até ao Joe Berardo, que viu o seu investimento no BCP desvalorizado de forma abrupta, desta vez tomaram o sabor da crise. É evidente que não terão de recorrer à sopa dos pobres mas uma boa parte das suas fortunas se esfumaram.
O desemprego não é novidade para os pobres da mesma forma que o oportunismo dos governos é bem conhecido da classe média ou dos funcionários públicos, a grande novidade desta crise é que pela primeira vez alguns dos privilegiados conheceram o sentido da expressão “os ricos que paguem a crise”. Pelo menos durante algum tempo andaram assustados ao ponto de correrem ao governo para que lhes nacionalizasse o BPN, interviesse no BPP, ou lhes desse garantias para os negócios.
Os três anos de sacrifício da classe média e de dificuldades dos mais pobres serviram para alguma coisa, como disse Sócrates na sua comunicação de Natal o Estado está agora em condições de acorrer aos mais carenciados. Como se tem visto os mais carenciados são os mais ricos porque estão menos ricos e os mais pobres que nunca os deixaram de ser. No meio ficam os que são vítimas de todas as crises e que suportam os seus custos.
Agora até vão acorrer com os seus impostos aqueles que sempre defenderam que as operações dos seus capitais nunca deveriam ser sujeitas a impostos a bem do mercado de capitais. Os que em tempos enriqueceram com as operações da bolsa ou à conta da Dona Branca nova-iorquina sem pagar um tostão em impostos recorrem agora aos impostos dos outros para suportar os prejuízos.