Cavaco acaba este seu mandato como o começou, com grandes preocupações sociais, algo que não é difícil a qualquer político num país onde não faltam chagas sociais para exibir. Começou com o roteiro da exclusão e acaba com lágrimas de crocodilo chamando a atenção para a existência da fome em Portugal.
Há fome em Portugal? Há, que me recorde sempre houve e como a fome não é uma sensação colectiva para quem a tem é sempre dolorosa independentemente de serem cem mil ou trezentos mil portugueses a terem falta de algo para comer. Ao falar de fome, ou melhor, da existência de fome Cavaco tem razão, só que parece que o candidato presidencial só parece preocupar-se com o problema da fome quando não tem poderes para ajudar a combatê-la e apesar das muitas promessas a única ajuda que deu para a evitar parece terem sido uns artigos que escreveu há uns anos atrás.
Acontece que no seu último mandato como primeiro-ministro também houve muita fome, havia fome no Vale do Ave, havia fome na região de Setúbal, havia fome num Alentejo desprezado pelos seus governos e que foi atingido por uma seca que obrigou mesmo a operações de ajuda alimentar. Nessa altura vivia no Alentejo e a governadora civil de Setúbal deu instruções às escolas para contratarem alguns funcionários com contrato a prazo, em particular foi feita a sugestão de se dar prioridade a eleitores do PSD.
Foi o tempo das bandeiras negras, das crianças a desmaiar na escola com fome, dos salários em atraso, e o que fez Cavaco Silva? Nada, deixou o governo com um défice de 8%, lançou a governação do país numa grande confusão com o seu tabu da candidatura presidencial, atirou Fernando Nogueira aos lobos e foi preparar a sua ambicionada ascensão a Presidente da República, felizmente os portugueses tiveram nesse tempo a sabedoria que não parecem ter hoje, dispensaram os seus serviços.
De então para cá Cavaco parece ter enriquecido, deixou a velhinha Vivenda Mariani e construiu uma nova vivenda bem mais luxuosa, ganhou uns dinheiros com um negócio obscuro de acções que nunca foi bem explicado e muito menos investigado por quem de direito e acumulou pensões. Reapareceu, entretanto, com grandes preocupações, incomodado por haver fome, transvestido num presidente cheio de grande sensibilidade social.
Mas Cavaco pode ficar descansado, os seus não só não passaram fome como estão ricos, enriqueceram com os milhões de contos do Fundo Social Europeu e outros fundos comunitários tão mal geridos pelos seus governos, enriqueceram com os milhares de milhões de euros roubados no BPN em créditos mal parados, negócios de acções e outras manobras obscuras para delapidar o dinheiro alheio.
Se a direita portuguesa não fosse tão miserável teria escolhido outro candidato presidencial, a escolha ou rejeição de Cavaco Silva para o cargo de Presidente da República é mais do que um problema de carácter político, é um problema de memória. Um país que escolhe tal presidente até parece estar com a doença de Alzheimer, esqueceu tudo.