Neste momento o governo já não segue qualquer programa eleitoral ou programa de governo aprovado no parlamento, governa ao sabor da maré, vai gerindo a situação em função da vontade dos banqueiros ou da instabilidade do mercado. Nenhuma das medidas adoptadas foi alvo de qualquer debate nacional e muito menos eleitoral, algumas são mesmo diametralmente opostas às assumidas no programa eleitoral.
Pior, Sócrates não governa segundo um programa mas sim segundo ideias pontuais, bitaites, sugestões dos banqueiros ou imposições externas. O ministro das Finanças aponta os cortes de vencimentos do Estado como exemplo para o sector privado e defende uma reforma da legislação laboral, a ministra do Trabalho garante que a legislação laboral não será alterada e Sócrates propõe que os ordenados dependam da produtividade e da qualidade, isto é, nem mesmo dentro do governo há norte.
Portugal é uma democracia e em democracia os primeiros-ministros não governam primeiro e perguntam aos eleitores depois, governam com legitimidade democrática que advém das propostas que apresentaram aos eleitores. É evidente que uma situação de crise é uma excepção e que poderão ter que ser adoptadas medidas de contingência que não tinham sido previstas, mas isso não significa que um governo possa transfigurar-se e entrar em roda livre durante três anos.
Se na legislatura anterior Sócrates tinha legitimidade para levar por diante reformas que mereciam a oposição de muitos portugueses porque essas mesmas reformas constavam no seu programa eleitoral e foram sufragadas pelos portugueses que lhe confiaram uma maioria absoluta, agora deve considerar que com uma maioria relativa ou segue igualmente o seu programa ou considera que não pode governar com medidas de que nunca falou. Em democracia os programas políticos são aprovados a anteriori, em eleições democráticas e não a posteriori.
Independentemente de concordar ou discordar desta ou daquela medida, de ter uma péssima opinião acerca da competência e dimensão de muitos membros do governo, acho que se Sócrates quer continuar a governar ao sabor das sugestões pontuais dos assessores que foi buscar às consultoras, das opiniões dos banqueiros que periodicamente vão aos gabinetes ministeriais dizerem o que desejam, das pressões ou falsas pressões europeias que servem para impor medidas que não tinha anunciado, deve ter a humildade e coragem de não esperar por uma decisão de Cavaco Silva de dissolver o parlamento ou pela aprovação de uma moção de censura, deve ter a humildade e coragem de ir a eleições.
Indo a eleições pode colocar à consideração dos portugueses o seu novo programa, as suas novas ideias e já que uma boa parte do PS faz uma avaliação muito positiva do seu desempenho desde as últimas legislativas deve ter a coragem de pedir aos portugueses que avaliem as medidas de excepção que adoptou. Às vezes a política também é feita de coragem e esta não é apenas adoptar medidas duras porque o maior partido da oposição se abstém ou porque conjunturalmente não quer ir a votos, coragem é dizer aos portugueses as medidas duras e as reformas dolorosas que defende e sujeitá-las ao voto.