Fala-se por aí de pobreza como se esta fosse um fenómeno recente, como se quando Cavaco Silva e a direita governou não houvessem pobres em Portugal e os que agora existem fossem fruto de políticas recentes ou do empobrecimento repentino do país. Neste capítulo Cavaco Silva tem sido um artista, não só implementou os roteiros da miséria como forma de branquear a imagem do primeiro-ministro que sempre desprezou a dimensão social da acção governativa, como agora tenta colher os frutos eleitorais de um modelo que ele é o grande pai.
Quantos destes pobres não o seriam se a imensidão de fundos europeus destinados à formação profissional tivessem sido utilizados e bem utilizados no fim previsto? Quantos destes pobres não o seriam se Cavaco tivesse apostado na produção dos tais bens transaccionáveis de que agora tanto fala em vez de apostar em obras inauguráveis em vésperas de eleições? Quantos destes pobres não o seriam se não existissem os apoios sociais que hoje existem?
Os que falam de pobreza esquecem que a fome sempre existiu, e que no passado ainda recente os apoios sociais eram escassos (agora já nem o Portas critica o rendimento mínimo), que hoje as ONG têm uma capacidade que não tinham há quinze ou vinte anos. Esquecem que hoje as autarquias têm recursos para acorrer ao problema que no passado nunca tiveram, num tempo em que os governos de Cavaco Silva nunca cumpriram a lei do financiamento das autarquias. Esquecem que nos últimos anos foram construídas muitas dezenas de habitações sociais pondo fim à miséria dos bairros da lata que existiam até no centro de Lisboa, como era o caso do bairro da lata que se situava junto ao Areeiro.
O pior da utilização política da pobreza nem sequer está no oportunismo político, está nos desprezo humano por aqueles a quem nunca se prestou qualquer utilização e agora usam-se as suas carências e estatutos institucionais para exibir uma falsa caridade política de que ganhas as eleições presidenciais ou legislativas depressa se esquecerão.