Ou os portugueses têm tão pouca consideração intelectual por alguns ministros que já nem ligam ao que eles dizem, ou esta forma sumária de decidir sem qualquer debate e contando com o apoio militante da caneta do senhor Silva leva a que a ministra da Justiça possa dizer as baboseiras que lhe dá na gana sem se ouvirem grandes vozes de protesto.
A propósito de uma qualquer efeméride a ministra da Justiça chamou a si os louros por investigações envolvendo 100 milhões de euros em fraudes fiscais, aproveitando para sugerir aos cidadãos que passem a denunciar os casos de fraude fiscal e corrupção de que tenham conhecimento no pressuposto de que ao fazê-lo estão ajudando as polícias a limpar a nação. Pela forma como o fez até se pode pensar que é um dever de cidadania fazê-lo, um pecado grave.
Seguindo esta lógica é também um dever de cidadania denunciar quem tem mais de três gatos ou quem não apanha o cocó do cão por fazer perigar a saúde pública, isto é, trata-se de um dever de cidadania denunciar todos os cidadãos que violem qualquer lei ou regulamento desde que estejam em causa valores superiores como as receitas do Estado, a saúde pública, a moral e os bons costumes, etc., etc.. E se todos os fizermos conseguir-se-á o grande desígnio da ministra, o fim da impunidade.
A senhora ministra começou o seu mandato anunciando que tinha chegado o fim da impunidade e só dois anos depois diz como o vai conseguir, pondo ao serviço das polícias vinte milhões de olhos e ouvidos. A senhora ministra não explicou muito bem se além de denunciar o que inadvertidamente viram ou ouviram o cidadão deve ainda armar-se em polícia, mas receio que estando em causa valores o dever de cidadania implique um papel mais pro-activo, palavrão que agora está muito na moda. Isto é, os filhos devem vigiar o pais, os país devem exercer vigilância sobre os vizinhos e por aí adiante, todos somos informadores cívicos e os valores superiores da nação estão acima de qualquer laço de amizade ou de parentesco. Ser um cidadão exemplar implica que se seja ao mesmo tempo bufo e polícia.
Talvez a ideia da senhora ministra seja razoável, mas para que tudo corra bem venho sugerir-lhe que faça um teste, que durante uns tempos seja instituído o sistema de bufaria cívica entre os membros do governo, os deputados, os líderes partidários e os líderes das distritais do CDS e do PSD.
Se esta gente contasse tudo o que viu nos seus escritórios de advogados, nas suas empresas, nos corredores escuros dos gabinetes governamentais, na sala dos fundos da sede partidária eliminar-se-ia uma parte bem substância da corrupção e fuga ao fisco. Quando a senhor ministra e os seus pares derem o exemplo de bufaria cívica denunciando-se uns aos outros e autodenunciando-se, então todos nos sentiremos na obrigação de seguir tão bom e genuíno exemplo pondo fim ao que restar da tal impunidade que tanto incomodava a senhora ministra.