segunda-feira, março 24, 2014

A evasão fiscal (1)

 A evasão fiscal é um tema recorrente no debate político o que justificaria maior seriedade e precisão na forma como o assunto é abordado e problematizado. Em regra, o fenómeno é sobredimensionado, tratado com demagogia e apresentado como causa de todos males ou como via financeira para todas as soluções. A direita conservadora só se recorda da evasão fiscal quando está no limite das dificuldades financeiras, a direita conservadora encontra no combate à evasão fiscal a fonte de financiamento de todos os seus desvarios.

Mas o que se entende por evasão fiscal? Quando falamos de evasão fiscal podemos estar falando de coisas bem diferentes, num sentido mais amplo poderemos considerar como evasão fiscal todos os fenómenos que tenham como consequência uma receita fiscal inferior à que deveria resultar da aplicação das regras e taxas em vigor. Num sentido mais restrito poderemos considerar como evasão fiscal a perda de receitas fiscais resultante de declarações de rendimentos inferiores aos tributáveis, acrescida das perdas em consequência das fraudes.
  
Não admira que se confunda facilmente o dono do restaurante que não emite facturas para pode declarar um montante de IVA inferior ao devido, com o contribuinte que devido a dificuldades financeiras não paga um montante de impostos que deve. Há poucos anos e graças ao aumento de eficácia na cobrança das dívidas fiscais quase se declarou o sucesso no combate à evasão fiscal. Outras vezes os governos anunciam a contratação de magotes de inspectores para poderem prometer mais uma vez o fim da evasão fiscal.
  
Toda esta confusão leva aos números mais díspares na hora da avaliação da dimensão do fenómeno quando se toma como referência a actividade económica. Quando está em causa a avaliação da dimensão do fenómeno da chamada economia paralela (agora muitas vezes designada por economia informal) há quem fale em 25% da actividade económica. Mais uma vez estamos no domínio da imprecisão, apontam-se números que vão desde muito menos e 10% a mais de 25% sem se perceber ao que se referem, quase se confundindo a economia agrícola de subsistência (uma forma de economia informal) com um esquema mafioso de obtenção de reembolsos indevidos de IVA.
  
Uma coisa é mais do que evidente, números que apontam para 25% da actividade económico são quase delirantes. Retire-se da actividade económica sectores como o Estado, a energia, a grande distribuição, as telecomunicações ou a saúde privada e logo se percebe que ou todos os outros sectores teriam de viver à margem da lei. Importa, portanto, definir muito bem o que é economia paralela, o que se entende por economia informa, o que se enquadra como evasão ou fraude fiscal e só depois fará sentido avaliar estes fenómenos. E sem uma avaliação séria é pura perda de tempo aferir os custos económicos e sociais da evasão fiscal.
  
É óbvio que para além do comerciante que não declara tudo o que vende e paga um montante de IVA inferior a devido ou do contribuinte que contando com uma prescrição deixa de pagar o imposto que lhe foi liquidado, há ainda grandes empresas que por tudo e por nada recorrem das decisões do fisco contando com a ineficácia dos representantes da Fazenda Pública para se eximirem ao pagamento em consequência de prescrições ou de decisões favoráveis nos tribunais fiscais. 
  
É evidente que estamos perante diversas graduações do fenómeno da bandidagem, gente que tira proveito do que é financiado pelos impostos, mas que tudo fazem para evitar cumprir com as suas obrigações fiscais. Se uma criança morre por falta de assistência em consequência de falta de meios financeiros por parte do sistema de saúde, tão bandido é aquele que recebe indevidamente cem mil euros de reembolso do IVA, como o é o banqueiro que se escapa ap pagamento de um milhão graças a um recurso judicial manhoso ou mesmo o governante que com um despacho simpático permita a alguém reduzir a sua dívida fiscal. Estas são as diversas faces do fenómeno e no passado tudo isto aconteceu, quem não se recorda dos famosos perdões fiscais que Oliveira e Costa concedeu nos anos 80, o mesmo Oliveira e Costa que pouco tempo depois de ser um modesto cidadão apareceu com o estatuto de banqueiro?

A evasão fiscal é uma doença endémica da nossa sociedade, uma doença combatia por uns, mas que por descuido, interesse ou ingenuidade é promovida por muitos. Não será a causa de todos os males, mas tem consequências muito nefastas no nosso tecido económico, na distribuição do rendimento, na promoção da injustiça fiscal e até mesmo na corrupção da nossa cultura ao promover o expediente e o golpe baixo como uma instituição nacional. Da mesma forma que o adepto do futebol elogia o jogador que ajudou a ganhar o jogo enganando o árbitro atirando-se para o chão para conseguir uma grande penalidade, também muita gente da nossa praça que enriqueceu com expedientes merece a consideração e admiração de muita gente.