segunda-feira, março 31, 2014

Eles acreditam!

Desiludam-se os que pensam que as fonte e inspiração desta política económica são os manuais de economia, as bíblias do liberalismo ou alguma nova corrente de Harvard, isto é uma mistura de ideologia, religião, ódio, inveja, complexos de inferioridade. Está aqui presente a inveja de quem não tem um curso digno desse nome ou de quem não o tirou numa grande universidade da Ivy League, os terços matinais na igreja das beiras ao lado da avó Prazeres, o desprezo pelos soldados analfabetos que vinham da Metrópole ser como carne para canhão, o ódio ao Estado e aos funcionários públicos da Metrópole, o desprezo pelo atraso daMmetrópole face ao sucesso económico das colónias capazes de serem independentes e ricas como a florescente África do Sul.
  
Se alguém imagina uma política económica preocupada com os valores tradicionais das políticas económicas até hoje considerados na Europa é porque se enganou no número da porta, nesta nova política económica não há a mais pequena preocupação com a distribuição, a justiça ou o progresso, o único indicador considerado são as contas de lucros e perdas dos sectores considerados fontes de progresso. Se alguém pensa que eles estão preocupados com as condições de vida dos portugueses, do pobre, do jovem que acabou o curso, do dono do restaurante que está à beira da falência é porque veio ao engano, a regra social desta política é muito clara, quem está mal que se mude e os que estão a mais ou se vão embora ou serão reduzidos à pobreza.
  
Não há qualquer objectivo de crescimento ou de justiça económica nesta política, qualquer réstia de crescimento que subsista serve apenas de motivação para mais austeridade. O objectivo não é minimizar a austeridade beneficiando do crescimento económico, é aproveitar a margem dada por qualquer sinal de crescimento para agravar a austeridade. E se o crescimento resultou do aumento do consumo interno ou é uma consequência das decisões do Tribunal Constitucional pior ainda, é um crescimento pecaminoso que deve ser travado e convertido em mais austeridade.
  
Mas eles acreditam, acreditam mesmo que estão purificando o país, que da mesma forma que Hitler se livrava dos judeus eles estão-se livrando dos funcionários públicos e dos pensionistas, da mesma forma que os nazis começaram por se apropriar dos bens dos judeus eles estão reduzindo os funcionários e os pensionistas à pobreza. Mas tal como os nazis tinham uma lista de gente que estava a mais, também por cá não são só os funcionários públicos e os pensionistas a serem tratados como parasitas da sociedade, os empresários da restauração ou da construção civil são também culpados de parasitismo e de viverem do consumismo, estão para o Portugal de hoje como estavam os ciganos para a Alemanha de outros tempos.
  
Mas eles acreditam que a chave do sucesso não está na política económica, na justiça social ou na educação, a solução está em eliminar o que trava o crescimento, em, levar à falência as empresas consideradas parasitárias, em convidar a emigrar quem enche as estatísticas de desempregados. O problema da economia portuguesa não é do domínio da economia, é um problema de higiene, resolve-se com limpeza e com purificação.
  
Eles acreditam que o dono do restaurante que tem a quarta classe antiga e montou o seu negócio com o que poupou na emigração ou conseguiu trazer de África vai fechar o restaurante e em dois anos tem uma startup a vender tablets para classe média alta de Nova Iorque. Eles acreditam que a aposta não está no cluster das energias renováveis ou nos investimentos estrangeiros em sectores tecnológicos, quem nos vai trazer o progresso são os criminosos chineses atraídos pelos vistos gold. Eles acreditam que em vez de ser o Estado a gerir a economia asfixiando a democracia económica deve convidar-se o Partido Comunista Chinês a gerir a EDP com o apoio do Catroga e entregar os CTT à Goldman Sachs.
  
Mas eles acreditam mesmo, da mesma forma que os devotos de Jim Jones acreditavam no seu pastor, os alemães deliraram co m o Adolfo, os devotos da cientologia estão mesmo convencidos de que estão no caminho do paraíso, os raelinaos aguardam que uma nave espacial venha busca-los para os levar para o céu, até o Charles Manson tinha os seus devotos. Não estamos no domínio da racionalidade ou da economia, estamos perante um novo fenómeno em que se mistura política, economia e religião. 
  
Mas o facto é que eles acreditam mesmo que da purificação do país, da redução dos funcionários públicos a casta inferior, da transformação dos pensionistas em beneficiários agradecidos da caridade, da eliminação da restauração e da construção civil, virá um futuro radioso de progresso onde haverá lugar para os pobres trabalharem, os empresários exportarem cuecas para os chineses, os bancos para financiarem a aquisição do algodão necessário para produzir as cuecas e o Belmiro de Azevedo e o Soares dos Santos para abastecerem as cantinas da populaça.