Sem morte não existiram religiões, estas vivem da dificuldade dos seres humanos em líder com o fim da vida, daí que uma boa parte dos rituais das igrejas e, em particular, da Igreja Católica se centrem na morte. Em qualquer celebração católica a morte é o tema central do princípio ao fim, ainda que sempre transformada em vida graças à ressurreição.
O batismo é a garantia de entrada no céu em caso de morte, a extrema unção é uma espécie de batismo ao contrário, uma guia de marcha. As igrejas estão cheias de idosos receosos da forma como o criador vai fazer as contas. A morte é o grande enigma da vida e alimenta todos os medos que nos conduzem à crença da ressurreição, da vida para além da morte. Não admira que vejamos alguns políticos já acabados a serem cada vez mais fundamentalistas, diria mesmo extremistas religiosos, sempre que a política se cruza com a religião.
Não admira que com o debate da eutanásia se volte a sentir no ar um ambiente de guerra santa, as mesmas almas bondosas que há uns anos eram especialistas em apoiar jovens grávidas que recusavam o aborto, são agora voluntariosas almas bondosas apostadas em proporcionar mortes felizes.
No meio de tanta morte que poderia ser evitada e que sucede devido a falhas que resultam de fatores humanos, estas almas voluntariosas e infinitamente bondosas estão apostadas em que algumas dezenas de cidadãos que querem que os deixem morrer em paz sejam forçados contra a sua vontade a manterem-se vivos em sofrimento, mas em paz com Deus graças à ajuda de algumas pastilhas e do carinho destas almas boas.
Mais uma vez o debate está inquinado porque alguns querem que as suas convicções tenham forma de lei penal e que aquilo que consideram pecado merca penas por homicídio. Porque não refletem sobre como se morre em Portugal? Porque não aplicam a sua imensa bondade, por exemplo, às mulheres que são vítimas de violência doméstica e a quem muitas vezes recomendam paciência, porque a família deve estar acima de quaisquer valores? Porque não se batem contra a pena de morte? Porque não sugerem ao Papa que peça desculpa à humanidade pelos muitos milhões de vítimas do fundamentalismo religioso que vigorou até à segunda guerra mundial? Porque não se batem contra a pena de morte?