Desde que se discute a localização do novo aeroporto que aqui defendo que qualquer que fosse a escolha final esta deveria ser uma decisão política e não técnica. Os engenheiros ou os economistas têm como função dar pareceres e não decidir, senão em vez de eleições escolheríamos o Presidente da República, os deputados e os governantes por avaliação curricular. Até nem seria uma novidade pois os magistrados são escolhidos mais ou menos dessa forma e não é por isso que deixam de ser um órgão de soberania. Mas até que me provem o contrário prefiro que os que me representam sejam eleitos pelo meu voto, com todos os seus defeitos prefiro os políticos aos magistrados que se julgam sacerdotes.
É hoje evidente que neste debate os interesses empresariais tomaram a iniciativa de pressionar o poder político, todas as opções envoliam esses interesses. Algumas iniciativas, como a da CIP, talvez fossem motivadas por boas intenções mas confundinco os interesses dos seus associados com os país. O próprio PSD pareceu mais interessado em assumir um papel de “oposição de influência”, que lhe permita obter ganhos junto das empresas de obras públicas, do que em analisar o problema com a seriedade que se espera de um partido que se candidata a governar o país. Dos autarcas nem vale a pena falar, discutiram a localização da Ota como se fosse a sede de uma associação recreativa, pensaram em função dos seus próprios interesses, esquecendo que um aeroporto não significa apenas progresso para os seus concelhos e que muitos cidadãos vão ser penalizados pelo impacto social e económico.
Tomada a decisão coloca-se a questão de saber se estamos face a uma decisão política ou uma decisão técnica.
Se o governo decidiu escolher a opção que o LNEC propôs, bastando para isso ler a introdução do estudo onde constava essa opção, estamos perante uma decisão eminentemente técnica. Os governantes eleitos demitiram-se das suas competências em favor das competências de uma entidade administrativa. A questão agora é saber quais as decisões que deverão ser assumidas pelo governo e quais as que deverão ser entregues aos técnicos. Este procedimento tem sido frequente neste governo, todas as decisões politicamente difíceis, desde o aumento dos impostos à reestruturação do SNS têm sido justificadas em estudos técnicos que poucos leram nem foram objecto de qualquer discussão pública.
Se o governo escolheu a opção que julgou ser a que agradava a Cavaco Silva estaremos perante uma decisão política, mas que por subverter as regras constitucionais é tão ou mais condenável do que a decisão técnica. Pelos vistos, a Cavaco não bastaria a magistratura de influência e as competências na diplomacia, se foi o Presidente da República que escolheu a localização do aeroporto isso significa que Sócrates lhe atribuiu competências muito para além do aceitável constitucionalmente, fazendo um negócio político para o qual não dispunha de mandato. Coloca-se, portanto, a questão de saber quais são as competências do Presidente da República e qual as contrapartidas que Sócrates recebeu de Cavaco Silva em troca da partilha das suas próprias competências.
Talvez a escolha de Alcochete tenha sido a melhor, mas foi feita da pior forma e em vez de ser um exercício democrático como alguns tentaram fazer crer foi um exercício pouco digno de uma democracia. Terá sido uma boa escolha feita da pior forma, se Deus escreve direito por linhas tortas José Sócrates escreve por linhas cada vez menos direitas.