No passado Salazar buscava a discrição, os portugueses não tinham que se preocupar com coisas como a política ou a economia, o regime servia-lhes futebol e fado. Agora passa-se um pouco o mesmo ainda que neste caso são os políticos que estão a ser ultrapassados por entertainers em regime de free lance.
O fado já deu o que tinha a dar, a Amália está no Panteão Nacional, Carlos do Carmo faz espectáculos de aniversário da carreira, nos bairros populares os copos de tinto foram substituídos por shots, o cigarro fuma-se à porta do bar. O futebol vai pelo mesmo caminho, o Benfica deixou de ser o símbolo dos bons chefes de família, o Sporting treme porque não pode perder pontos com o Beira-Mar, as velhas glórias estão com bicos de papagaio ou na lista espera das cirurgias para mudar uma válvula nova no coração.
Talvez fosse o momento adequado para reflectir sobre o país que somos, sobre as causas do nosso atraso, sobre o contexto económico difícil que o país enfrenta, mas não, estamos a discutir aparelhos de extracção de fumos, penhoras fiscais, colheres de pau, doces conventuais, os dramas dos professores que chamam f.dap. ao primeiro-ministro e outras coisas de importância transcendente.
De repente o país tem novas vedetas, obscuros burocratas que aprenderam a lidar com a escassez de notícias para tantos jornais e jornalistas em busca de matéria para encher tantas páginas ímpares quanto as páginas pares que conseguem preencher com publicidade.
Os momentos mais importantes do país deixaram de ser os debates parlamentares, as comunicações do Presidente da República ou as decisões do primeiro-ministro. O país está preso pela próxima operação da ASAE, pelas próximas penhoras do fisco ou pelo próximo debate onde um director-geral da Saúde, que parece ter saído de uma banda desenhada sobre o paleolítico, nos tenta convencer de que é ele que deve cuidar da nossa saúde impondo-nos hábitos que ele entende ser os saudáveis. Dominam de tal forma a sociedade que os debates parlamentares são sobre as colheres de pau e o próprio Presidente da República saboreia o doce conventual receando que na próxima visita lhe servivam queques.
Os Eusébios e Amálias deram o lugar a novas vedetas como os Antónios Nunes e os Macedos.