A crítica que Cavaco Silva dirigiu a algumas remunerações absurdas na sua mensagem de Ano Novo foi suficientemente dúbia para proporcionar as mais variadas interpretações, Pacheco Pereira acusou de demagogia, Lobo Xavier defendeu os administradores que contratam os seus serviços, as televisões resolveram comparar os vencimentos dos dirigentes do Estado com o salário mínimo, o cidadão comum descobriu aí a causa de todos os seus problemas.
A crítica de Cavaco tem algum fundamento, ainda que no caso português se limite a situações como a do Millennium. Ao nível mundial esta questão suscita algumas preocupações pois nalgumas empresas a relação entre a remuneração mais alta e a mais baixa, que há algumas décadas se situava nas dezenas, cifra-se agora na ordem dos muitos milhares. O debate animou-se quando no final de 2004 Henry Paulson, presidente da Goldman Sachs, ganhou trinta milhões de dólares.
Só que esta não é a realidade portuguesa, esses vencimentos são suportados por grandes lucros e em muitas das empresas em que isso sucede os salários são muito superiores à média. Por cá a realidade limita-se a sectores como a banca e tem sucedido ao mesmo tempo em que algumas profissões, como a de bancário, tê sido sujeitas a um processo de proletarização.
No programa “Quadratura do Círculo” Pacheco Pereira criticou bem Cavaco Silva ao afirmar que o Presidente da República não abordou o modelo económico de baixos salários que ele próprio defende. Esse é, de facto, o problema do nosso modelo económico, enquanto nos países que os nossos governantes dizem pretender imitar a equação que os economistas económicos pretendem resolver é encontrar a solução para que o desenvolvimento proporcione maior bem-estar aos seus cidadãos, em Portugal os responsáveis da política económica desdobram-se em esforços para encontrar uma fórmula que permita reduzir os rendimentos dos cidadãos para assim alcançar o crescimento económico.
Dantes era fácil, bastava promover uma desvalorização do escudo de vez em quando para de uma vez desvalorizar o trabalho dos portugueses. Os trabalhadores até ficavam contentes, no fim do ano recebiam aumentos substanciais que eram “comidos” pela inflação em dois ou três meses. Com o fim das desvalorizações começou-se a falar insistentemente da lei laboral, dos aumentos salariais e da produtividade. Se poder assegurar a competitividade com desvalorizações o nosso modelo económico, assente em baixos salários, só é capaz de encontrar respostas pagando menos a quem trabalha.
Alheios aos riscos sociais que poderão resultar desta política miserável, talvez porque já não sentem a ameaça do comunismo, os nossos governantes desdobram-se em exercícios com o objectivo de baixar salários. Há poucos meses o ex-ministro Bagão Félix dizia que se a sua legislação laboral tivesse sido adoptada mais cedo ter-se-ia evitado o encerramento de algumas empresas. Parece que estão todos esquecidos e passados dois anos volta-se a descobrir que o problema do país está na legislação laborar.
Os nossos governantes andam há trinta anos sem perceber que um país de pobres nunca será nem um país rico nem uma sociedade politicamente estável. Em trinta anos nem a direita nem a esquerda ousou abandonar um modelo económico que é tão bem sucedido quanto maior for a miséria que gerar.
Nos anos sessenta tínhamos uma economia de fazenda, os trabalhadores pediam fiado na cantina a partir do meio de cada mês para passar o mês seguinte a trabalhar com vista ao pagamento da dívida do mês anterior. Entretanto o país modernizou-se, agora os trabalhadores usam cartão de crédito e compra no Continente, mas a lógica é a mesma com uma diferença, agora os trabalhadores andam a pagar o que compraram há três meses. O modelo económico, apenas mudou a cantina.