Lembro-me da minha infância, no Verão ia passar uns tempos com a minha avó, em plena serra do Caldeirão. Se era dia de apanhar amêndoa, lá ia eu apanhar amêndoas em encostas de xisto com o sol no pino e temperaturas à sombra na ordem dos 40º. Se fosse agora seria o bom e o bonito, os jornalistas ainda descobriam que as amêndoas seriam vendidas no Pingo Doce e, portanto, esta marca explorava trabalho infantil, um outro jornalista mais curioso ainda conseguia descobrir que afinal eu não ganhava e a situação era mais grave do que trabalho infantil, tratava-se de trabalho escravo. Rapidamente procurariam pelo pedo-psiquiatra mais na moda, algum que nos últimos tempos não tenha ganho comissões a defender uma nova vacina gratuita, e teríamos de ouvir uma profunda prelecção sobre as consequências do trabalho escravo para o meu desenvolvimento equilibrado da criança que, no caso, era eu. Jerónimo de Sousa não perderia a oportunidade de denunciar mais esta consequência perversa da política de Sócrates e Loução iria mesmo junto da amendoeira prestar homenagem ao jovem explorado, símbolo vivo e ambulante do demónio do neo-liberalimo, com alguma sorte até seria visitado pelas ex-primeiras-damas e mereceria um post no blogue do Pedro Namora.
Agora os jovens merecem a compreensão das boas almas de ciências que se preocupam com estas coisas, os jovens são sempre vítimas de qualquer coisa e ainda por cima, se forem mais malandros, levam o carimbo de vulneráveis, o que lhes dá o direito de uso e posse de arma, roubar a vizinhanças e fazerem mais algumas tropelias. Os pais, coitados não são culpados de nada, são vítimas da sociedade e falta de cultura.
Trabalhar é que nem pensar! Quando forem um pouco mais crescidos já poderão pensar no futuro, podem pedir casa à borla e solicitar o rendimento mínimo a que têm direito. Se nos roubarem temos que demonstrar compreensão, se nos encherem a parede de grafittis temos que ter paciência, se derem umas porradas aos nossos filhos temos que entender isso à luz das mais modernas estratégias pedagógica.
O nossos ricos vêm a pobreza de uma forma que, no mínimo é idiota, enquanto os seus filhos dos "ricos" queimam as pestanas e o orçamento familiar a estudar nas universidades, de onde saem engenheiros para serem desenhadores de auto-cad, juristas para serem estagiários de advogados, arquitectos para fazerem maquetes ou professores para serem desempregados, engrossando a geração dos sortudos dos 1000 €, sortudos porque muitos deles ganham muito menos, os jovens vulneráveis estão garantidos, entre o que recebem do Estado mais o que amealham na gandaia dá mais do que ganha um professor bem classificado no topo da carreira e se tiver sido bafejados pela sorte de ter passado no famoso concurso para professores titulares.
Alguém consegue convencer um jovem que nunca teve que estudar ou trabalhar a carregar um balde de cimento ou a apanhar amêndoas aos 20 anos? Duvido muito, com essa idade quem nunca fez nada na vida descobre que em Portugal o melhor estatuto é o de gandulo, até porque graças às preocupações dos sociólogos, governantes e estatísticos são uma espécie protegida.
Uma boa parte dos nossos apoios sociais não são outra coisa senão o financiamento da gandulice, mas isso é coisa que os nossos cientistas sociais nunca perceberão, eles nunca souberam o que é ser pobre. Não percebem que enquanto vão ficando felizes com os resultados estatísticos do seu trabalho vai germinando entre os portugueses uma profunda revolta contra toda esta hipocrisia, porque há muita boa gente que nunca precisou de roubar e superou a pobreza trabalhando e sem quaisquer apoios sociais.
Há um profundo divórcio entre a abordagem de elites bem pensantes e com complexos de culpa e o povo que nunca lhe passou outra coisa senão trabalhar para ganhar a vida, as elites fazem estudos bem pagos para explicar a pobreza e acabam por confundir pobreza com outros fenómenos bem diferentes, ainda que convergentes nos resultados. Não conseguem perceber o mais elementar e confundem o pobre que ganha pouco ou está no desemprego com aquele que é pobre porque não quer trabalhar.