Quando assisto aos acontecimentos em Loures e vejo uma manifestação junto à Câmara Municipal de Loures interrogo-me sobre o dualismo com que a pobreza está a ser tratada em Portugal, dualismo que está presente cada vez mais no discurso político.
Lembrei-me de um caso que há alguns meses passou na nossa comunicação social, que dava conta da intenção da Segurança Social de tirar os filhos a uma mãe por não os ter condições para criar, trabalhadora agrícola não tinha emprego certo, por ser pobre não tinha casa em condições. Isto é, enquanto os “pobres” da cidade fazem uma manif para trocar de casa e beneficiam de rendimento mínimo, tanto maior quanto mais se multiplicar a prole, ali ao lado, para os lados de Santarém, o mesmo Estado recusa o direito de ser mãe a alguém que nada recebia do Estado. Há algo de errado em tudo isto.
Tal como em tudo o politicamente correcto diferencia os pobres em dois grupos, os que devem ser tratados com cuidado dos que podem ser esquecidos. Se formos às aldeias da zona serrana do Algarve (a que conheço) encontramos muitos milhares de portugueses que vivem no limiar da pobreza, trabalhando arduamente para obterem recursos mínimos para sobreviver. Como nunca optaram por construir uma barraca numa qualquer cidade e não pertencem a nenhum grupo étnico ou têm que fazer pela vida.
Mas não é preciso ir tão longe, basta ficar em Lisboa para assistirmos a alguns espectáculos preocupantes. Lembro de no tempo em que João Soares estava à frente da CM de Lisboa, quando estavam a ser distribuídas centenas de casas, o espectáculo preferido das televisões em vésperas de eleições autárquicas, era ouvir os protestos dos que recebiam as novas casas, protestavam por coisas como o facto de a casa ter apenas três quartos quando os filhos eram três e coisas do género. Aqui já nem chega a comparação com os outros pobres esquecidos pelo Estado, até a chamada classe média fica incomodada, quantas famílias da classe média, a que paga impostos para pagar isto tudo, consegue ter a casa que deseja ou mudar de casa sempre que está incomodada com a vizinhança, como, aliás sucede nas imediações dos novos bairros de reinserção social onde se perdeu a segurança e tranquilidade?
Parece que em Portugal há pobres de primeira e pobres de segunda classe, os de segunda classe são os que trabalharam toda a vida, pagaram impostos e segurança social e que vivem em casas degradadas ou suportam rendas caras e beneficiam de pensões miseráveis. Os pobres de primeira classe nunca descontaram, quando trabalham fazem-no no mercado paralelo e sentem-se no direito de serem mantidos pelo Estado.
Já alguém viu o presidente da CM de Loures mais o Governo Civil de Lisboa receberem um grupo de “pobres de segunda classe” acompanhados de representantes associativos, eclesiásticos e advogados com nome na praça? Já alguém viu o governador civil de Faro visitar uma das aldeias da Serra do Caldeirão sem estradas de acesso, onde as pessoas vivem em casebres, não passando pela cabeça de ninguém exigir casa nova ou ordenado sem trabalhar?