Não sei quem serão hoje os estudantes daquela residência universitária, há uns anos atrás soube que nenhum estudante de medicina de Lisboa tinha pedido apoios sociais e, como se sabe, ainda são muitos os que vão estudar à sua custa para universidades estrangeiras. Esses estudantes de medicina foram a última geração de médicos formados antes da saúde ter sido transformado num mercado onde a oferta de médicos é controlada de forma a ser inferior à procura.
Não me admirei, portanto, que as associações de estudantes se tenham manifestado contra a criação de mais um curso de medicina, seguindo as posições da Ordem dos Médicos. Como não podia deixar de ser, o argumento foi o mesmo de todas as corporações, os nossos pirralhos estão preocupados com a qualidade da saúde, e eles que o que mais desejam é praticar medicina privada na capital defendem que o problema de Portugal não são médicos a menos, estão é concentrados no litoral.
Esta preocupação dos grupos corporativos no momento de defenderem os seus interesses é típico das nossas corporações, nenhum destes grupos evidenciam preocupações com o seu próprio bem-estar, todos se manifestam muito preocupados com os problemas do país e do povo. Os médicos estão empenhados no SNS, os magistrados na justiça, os professores na qualidade do ensino, os polícias na segurança, etc., etc., o problema é que por mais recursos que o país invista nestes sectores não se sentem grande evolução.
É um argumento falso, mesmo em cidades como Lisboa há dificuldades de acesso à medicina, Há dezenas de milhares de cidadãos sem médico de família, há filas para marcações de consulta. A preocupação com a qualidade dos cursos, resultante da dispersão das escolas, também é falsa, se assim não fosse questionavam a qualidade da formação dos médicos vindos de fora da União Europeia, mas esses não incomodam, vão trabalhar para onde os médicos portugueses não vão, nunca lhe farão concorrência nas especialidades mais lucrativas ou no mercado privado da medicina.
Igualmente falso é a teoria segundo a qual o problema resulta da concentração de médicos em Lisboa, mesmo na capital quem não tiver dinheiro para recorrer à medicina privada sujeita-se a uma via sacra de filas de espera para inscrições e marcações de consultas, a regra é a espera e, se o problema de saúde não for grave, a desistência.
Nunca percebi a razão porque a medicina é a única profissão onde não pode haver excesso de profissionais, onde parece que a qualidade se assegura pela escassez de médicos. Em todas as profissões há competentes e incompetentes por mais exigentes que sejam as universidades, passados uns tempos ninguém sabe quais são os engenheiros ou os juristas incompetentes, mas parece que na medicina encontraram uma solução milagrosa, parece que se assegura a competência dos médicos garantindo a sua escassez.
É mais um exemplo de como as nossas corporações defendem os seus interesses à custa dos do país e dos portugueses, dos que pagam os impostos para se formarem e viverem com regalias a que o cidadão comum não pode nem ousa aspirar. No caso da medicina até já são os pirralhos que, sentindo-se num estatuto de privilégio, acham que podem exigir que nada mude para que o seus sucesso seja tão fácil como os seus antecessores. Querem gerir o mercado da medicina da mesma forma que a OPEP gere o mercado do crude, quanto maior for a escassez, maior será o preço, os portugueses que se lixem, esses servem para pagar os impostos com que se financiam as faculdades de medicina e pagarem montantes absurdos por consultas da medicina priva, se não quiserem ir para as filas dos centros de saúde onde são tratados como gado.