sábado, dezembro 05, 2009

Segredos, mentiras e justiça

Esta combinação entre politização da justiça, políticos em desespero e magistrados incompetentes transformou a justiça na palhaçada nacional, já ninguém confia nos tribunais, nos seus sacerdotes de toga, nos polícias, nos sindicalistas e para-sindicalistas das magistraturas e em tordos os intervenientes deste circo. Basta olhar os processos mais mediáticos de fora e concluímos que a farsa justiceira está cheia de incoerências.

Começamos a ter a sensação de que acima do porteiro todos os dirigentes partidários conhecem o conteúdo das escutas, sabem que se houvesse algo de criminoso seria investigado como sucedeu com o caso Freeport. Mas como também sabem que não havendo nada para saber ninguém está interessado na divulgação, todos exigem a sua divulgação já que assim sempre promovem a suspeição. Alguém pôs a circular um documento e eis que alguém vem logo dizer que são falsas as supostas transcrições das escutas a Sócrates. Mas não é o MP que faz o desmentido, é a TVI, uma televisão que parece ter um gabinete dentro do MP quem vem dar as explicações. Até parece que os magistrados do processo delegaram competências nos jornalistas da TVI.

Mas no que se refere às supostas escutas em que se ficou a saber que Vara tinha recebido dez mil euros já ninguém veio depois a desmentir que tudo era falso, nem antes nem depois de os arguidos terem tido acesso ao processo, ainda houve um jornal que tentou atirar-nos poeira para os olhos dizendo que o MP podia ter provas em segredo, mas a mentira teve perna curta. A verdade é que tudo leva a crer que Vara foi mantido como arguido não para sua defesa, como dizem os princípios da justiça, mas sim para que os magistrados defendam a sua honra e se possam defender das consequências da aplicação da lei da responsabilidade civil. Agora vão ter que criar uma estrangeirinha para se livrarem de pagar uma indemnização a Armando Vara.

E o que dizer da suspeitas de realização abusiva de escutas a um primeiro-ministro? Quando alguém se lembrou de dizer que os magistrados poderiam responder em processo disciplinar por tal abuso foi o que se viu, organizou-se uma procissão de magistrados, sindicalistas, políticos amigos, penalistas, catedráticos e fiscalistas para defender a bondade da actuação do voyeur de toga. Que as escutas não eram a Sócrates e que quem falasse com Vara sujeitava-se a ser escutado, o voyeur de toga não tinha culpa.

Mas, tanto quanto sei as redes telefónicas não são como as de antigamente em que para fazer a escuta era necessário ligar um gravador a um fio. As actuais redes telefónicas são digitais e tudo é gerido com recurso a software. Então porque ninguém se lembrou de fazer a pergunta mais elementar: é possível programar as escutas a um telefone excluindo alguns números dessa escuta? Se tal for possível a partir do momento em que o magistrado se apercebeu de que o primeiro-ministro estava a ser escutado deveria solicitar a exclusão do número usado pelo primeiro-ministro. Se o podia fazer e não o fez a desculpa da inevitabilidade cai por terra, o magistrado fez as escutas intencional e abusivamente e deveria ser sujeito a um processo disciplinar cuja conclusão inevitável seria a demissão.

Mas se as escutas eram evitáveis e foram um trabalho sujo o que se pode concluir é que anda por aí muita gente a prescindir dos mais elementares princípios da democracia. Nesta democracia quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é estúpido ou não tem arte. E anda por aí muita gente a viver à custa da democracia.