Há um país onde se enfrentam problemas, onde os gestores se contorcem para reduzir custos, procuram mercados para escoar os seus produtos assegurando emprego estável aos seus trabalhadores, onde os professores procuram optimizar os recursos dando o seu melhor, onde os funcionários públicos se esforçam por modernizar o Estado apesar dos mau tratos que lhes são infligidos por tudo quanto é gato pingado que chega ao governo.
Num país há problemas e tentam resolver-se, no outro inventam-se problemas para juntar aos que já existem e dificultar a sua resolução. Nesse país da treta surgem comentadores angariados para defender interesses não declarados, há maus cidadãos que se esquecem de entregar declarações de IRS ou transformam casas de habitação em salões de yoga à margem da lei e e aproveitando-se das suas insuficiências para depois virem armar-se em paladino da cidadania e do combate à corrupção, há consultores que lançam farpas aos governantes para que estes os comprem com tachos governamentais, há jurisconsultos que se põem em bicos de pés junto às câmaras das televisões na esperança de virem a ganhar mais uns clientes para os seus longos e doutos pareceres.
Enquanto num país o IRS, o IRC, o IMI e o IMT nos levam o sangue no outro ganham-se pequenas fortunas a dizerem-se baboseiras televisivas declaradas como trabalho intelectual e tributadas a 50%, fazem-se pareceres da treta que se sabem virem a terem bom acolhimento no fisco porque os famosos jurisconsultos têm o poder das televisões para destruir os que no Estado lhes façam frente.
Mas, pior do que tudo, o que condiciona os debates, o que anima os assessores de Belém, o que estimula a líder do PSD, o que excita os jornalistas é o país das elites da treta, dos que há décadas que vivem à custa do país e que nos impõem uma agenda política condicionada pelos seus próprios interesses.
O problema do país não é saber se a procuradora Maria José tem vista para o campo ou para o rio, se Marcelo deve ou não fazer pareceres prejudicando o negócio de Saldanha Sanches ou se o cadeira do presidente do colectivo num tribunal deve ser de couro ou de pau. O grande problema do país reside no subdesenvolvimento, na incapacidade de dar a todos os seus cidadãos a igualdade de oportunidade, de proporcionar aos jovens uma perspectiva animadora para o futuro, de proporcionar uma vida digna aos seus idosos. É verdade que alguns dos problemas que servem de tema para debate estão na origem deste problema, mas muitos dos que dizem combater males como a corrupção fazem mais parte dessa realidade do que da sua solução, vivem de um imenso esquema corrupto que permite que as nossas elites da treta vivam à grande e à francesa à custa dos mais pobres.
Quando o país se entretém a mexer na sucata é pena que não se perceba que muitos dos que têm aparecido são igualmente a sucata deste país, só é que uma sucata fina, que não conseguimos reciclar e que decide uma boa parte do futuro deste país.