A forma como o Governo trata os funcionários públicos fá-los culpados do desequilíbrio das contas públicas. Passos começou por os acusar de ganhar mais do que os outros portugueses sugerindo que era deles a culpa da crise, procurando atirar o cidadão comum contra os funcionários públicos da mesma forma que Hitler acusava os judeus de ricos oportunistas e responsáveis por todos os males da Alemanha. Como a tese não tinha fundamentação Passos passou a considera-los apenas como geradores de despesa, um fardo para os que trabalham, uma peçonha para a economia do país.
Lamentavelmente o mesmo Tribunal Constitucional que com Sócrates admitiu um corte a título muito excepcional, já considera normal que se os funcionários públicos sejam sujeitos a um imposto especial sobre os seus rendimentos do trabalho, só fica incomodado se o governo não disser durante quantos anos e que taxa deve ser aplicada. Para os seus juízes o princípio da igualdade permite que dois cidadãos fazendo o mesmo e ganhando o mesmo salário pelo seu trabalho, por exemplo dois médicos, sejam diferenciados pelo governo, um fica com todo o seu vencimento, o outro sofre um imposto especial e sem quaisquer regras de 10%. Mais grave ainda, ao contrário dos outros este imposto especial aplicado aos culpados da crise é plurianual.
Seguindo este brilhante raciocínio e adoptando a estratégia de um governo que desde as cópias piratas à obesidade tudo resolve com taxas, impostos especiais e corte e tendo em conta que a imbecilidade tomou conta do país e a ele nem os juízes do Tribunal Constitucional se escaparam, talvez fosse o momento oportuno para resolver uns quantos problemas.
Em conformidade com a interpretação constitucional do conceito de igualdade segundo a qual uns são mais iguais do que outros tudo dependendo do seu emprego ou do facto de o seu patrão ser público ou privado faria todo o sentido que fossem os empregados bancários a suportar não só as consequência da crise financeira mas principalmente os erros de gestão e trafulhices dos banqueiros, até porque se o Oliveira e Costa fez uns negócios estranhos é porque contou com o apoio técnico dos seus empregados. Faria todo o sentido que fossem os empregados bancários a suportar através de cortes nos vencimentos os custos dos prejuízos do BPN ou do BES.
Com base na mesma interpretação quadrúpede do princípio da igualdade poder-se-ia resolver o problema do desequilíbrio externo, bastaria criar um fundo de financiamento do desequilíbrio da balança comercial alimentado por cortes nos vencimentos dos empregados das empresas importadoras. Não é justo que um trabalhador da construção que ganha o salário mínimo seja penalizado no IVA sobre os tomates porque a BMW foi bem sucedida na campanha de venda do seu último modelo topo de gama. Se o país aplica impostos para reduzir o consumo e ao mesmo tempo quer ser simpático com a senhora Merkel manda o princípio da igualdade que sejam os colaboradores da Baviera e de outras empresas dedicadas à importação a suportar os custos do desequilíbrio comercial da mesma forma que são os funcionários públicos a suportar o desequilíbrio das contas públicas.
Os acórdãos do Tribunal Constitucional oferecem os fundamentos para estas medidas, o brilhantismo intelectual de personagens como Camilo Lourenço é mais do que suficiente para explicar estas medidas, o Paulo Ferreira encarregar-se-ia de escrever um livro explicando como estes cortes salvariam o país, Passos Coelho convocaria uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros, Seguro daria mais uns guinchinhos enquanto brinca aos governos e às oposição e Cavaco perguntaria ao seu chefe da Casa Civil onde tinha de assinar o diploma do imposto sobre os culpados.