Muitos portugueses perguntar-se-ão se valeu a pena tantos sacrifícios, se há justificação para tanto confronto na Administração, para tanta perda de regalias, para tanto descontentamento e mau ambiente no Estado se só com um pacote para a cortiça que deu a Sócrates dois minutos de prime time se gastou mais do que aquilo que se poupou com tanto conflito. Ficarão os cidadãos do meu bairro contentes com tanto combate à crise quando o ministro da Administração o deixou entregue aos marginais para poupar meia-dúzia de tostões com a esquadra do Rêgo? Tenho muitas dúvidas.
Há qualquer coisa de errado quando se passaram três anos a exibir o controlo das contas públicas e o rigor orçamental para agora ouvirmos Sócrates agradecer à crise o fim do rigor orçamental imposto por Bruxelas, como se a necessidade de controlar as contas públicas não fosse indispensável para resolver os problemas da nossa economia mas sim um frete que fazemos a uns tipos que estão em Bruxelas.
Estou convencido que o rigor das contas públicas e intervenções na economia quando as mesmas fossem indispensáveis para salvar boas empresas que forma afectadas pela crise teria mais impacto eleitoral do que esta orgia orçamental. A mudança de discurso pode dar excelentes cerimónias mas muitos portugueses não vão entender como tanta miséria deu em fartura. Aumentaram-nos os impostos, cortaram-nos nas comparticipações em medicamentos, retiraram-nos direitos, tudo em nome do rigor e agora chove dinheiro.
É evidente que nem Sócrates nem Teixeira dos Santos são dados à magia, não fizeram aparecer dinheiro, a verdade é que muitas das medidas de que tanto se fala terão a maior parte do seu impacto no Orçamento de Estado de 2010. A renovação das escolas agora anunciadas é um bom exemplo disso, enquanto se fazem os projectos, se organizam os concursos e se lançam as obras passa o tempo suficiente para estarmos em 2010. E estou a ser optimista pois se o Estado pagar as contas com a pontualidade do costume uma boa parte da despesa será transferida para 2011. Isto é, a factura será transferida para o próximo ano, para 2009 fica o estímulo ao optimismo, que em termos comerciais é marketing e na política se designa por propaganda.
Sócrates poderá relançar a imagem que supõe desgastada graças aos milhões, mas perde definitivamente aquele que era o seu grande trunfo eleitoral, o rigor e a tomada de decisões difíceis mesmo que essas decisões fossem antipáticas. Ainda por cima Sócrates anda tão animado com esta fartura que corre um sério risco de negligenciar os que mais sofrem com a crise, esses não poderão apresentar projectos da indústria corticeira, não concorrerão às obras públicas, nem terão emprego porque muitos deles são velhos demais para trabalhar.