sábado, julho 31, 2010

Necrófagos

Nalguns países é perigoso andar na rua, no Rio de Janeiro pode-se ser vítima de um assalto violento, em Bogotá pode-se ser raptado, na Cidade do México pode-se ser vítima do fogo cruzado de traficantes. Em Lisboa vivemos mais ou menos seguros mas não nos livramos do medo, nada nos garante que uma qualquer carta anónima transforme um político promissor num farrapo humano. E de nada nos serve ir apresentar queixa aos polícias e procuradores, ao contrário do que sucede no Rio de Janeiro, Bogotá ou Cidade do México, por cá são os procuradores e polícias que inspiram o medo.

De nada nos serve protestar, no dia seguinte aprece uma procissão de falsos sindicalistas, jornalistas sem escrúpulos e políticos oportunistas a defender a suposta independência dos magistrados insinuando que todos os que protestam estão a fazer pressões sobre a justiça. E como se isso não bastasse ainda gozam connosco dizendo com ar cinicamente cândido que devemos confiar na justiça, como se gente tão pouco confiável fosse fonte de justiça.

Como podemos confiar na justiça se os seus agentes tudo fazem para que as suas vítimas sejam condenadas em linchamentos públicos, sem advogados e com os juízes a serem substituídos por jornalista menos escrupulosos ávidos por primeiras páginas vendáveis ou por darem graxa ao patrão? EM todos os processos mais mediáticos o grande objectivo não foi produzir provas consistentes para formularem uma acusação, foi destruir os visados na praça pública, destruindo as suas carreiras políticas ou profissionais.

Em Portugal os políticos têm medo, de nada lhes serve sempre tão exemplares quanto o São Francisco de Assis ou fazerem os votos de pobreza dos Franciscanos, nenhum jornal o vai defender, nenhum político ousará ter a coragem de questionar os executores, quando tiver oportunidade de se defender estará destruído moral e profissionalmente. Os justiceiros da praça estão a usar a pouca confiança que a instituição justiça lhes merece para destruírem adversários políticos.

Vivemos numa democracia povoada pelo medo, a coragem deu lugar à cobardia, os princípios deram lugar ao oportunismo, é como se na natureza os predadores deixasse do ser para serem necrófagos porque a fartura de cadáveres políticos ser tanta que perderam as aptidões de caçadores. Na nossa democracia sucedeu isso com alguns líderes da oposição, em vez de se esforçarem por bater Sócrates pela luta de ideias esperam calmamente que a “justiça” lhes entregue o seu cadáver. Daí aos predadores perderem aptidões de caçador para desenvolverem as de necrófagos é um passo, a marca do PSD é cada vez mais evidente nalguns dos intervenientes dos promotores dos linchamentos a que temos assistido.

Não me esqueço de ouvir Manuela Ferreira Leite fazer promessas aos magistrados durante a campanha das legislativas ou de ler uma entrevista em que Ângelo Correia assegurava que um magistrado (que até teve direito a honras de recepção em Belém) é um latifundiário alentejano inscrito no PSD. Os caçadores preguiçosos estão a tornar-se necrófagos manhosos, já desenvolvem estratégias para que lhes sirvam o cadáver junto à sua toca.