quarta-feira, agosto 18, 2010

Incêndios

Os incêndios tiveram o mérito de levar alguns portugueses a pensar um pouco mais sobre o país, deixando para trás as dúvidas de dois pobres magistrados que chegaram a pensar que a capital do país ficava nos seus umbigos. De repente somos confrontados com interrogações a sério, de cuja resposta depende o futuro do país.

É fácil inventar um banco de terras imaginando um regresso forçado à agricultura como sucedeu no Cambodja como propõe o BE, é fácil propor que sejam os beneficiários do rendimento mínimo a limpar as matas, é fácil resolver o problema desancando no ministro. Tudo isso é fácil, mas o problema subsiste.

Uma das maiores riquezas do país é a sua diversidade e na origem dessa diversidade cultural está uma riqueza cada vez mais delapidada que é a biodiversidade. De cinquenta em cinquenta quilómetros encontramos um novo país, diferentes ambientes ecológicos, diferentes manifestações culturais e religiosas, diferentes gastronomias, diferentes opções arquitectónica. De norte a sul de este a oeste temos serras diferentes, temos planícies áridas e planícies verdes, temos sapais, arrozais, estuários de rios, temos centenas de variedades de aves, muitos milhares de espécies botânicas e um imenso mar por conhecer.

É toda esta riqueza que estamos a destruir, ao longo de décadas que o país despreza um dos seus poucos recursos, destroem-se modelos sociais com políticas de desenvolvimento descuidadas, substituem-se árvores de crescimento lento por espécies que alimentam a indústria do papel, promovemos monoculturas como está a suceder agora com o cultivo intensivo de oliveiras no Alentejo. Os incêndios não passam de uma faceta desse fenómeno que é a destruição da biodiversidade, é quase um sintoma da doença que afecta a natureza.

Por cada hectare que arde Portugal fica mais pobre em biodiversidade, e não é preciso que seja de floresta como dá a entender a comunicação social que aprece distinguir incêndios de primeira de incêndios de segunda, um incêndio em zonas de mato teria consequências mais trágicas do que a perda de alguns pinhais. Perdem-se espécies vegetais que nunca foram estudadas, insectos quase desconhecidos, habitats de fauna cada vez mais escassa.

É urgente repensar as políticas que afectam os equilíbrios nos meios rurais, senão mesmo nas cidades e nas suas periferias, o ambiente é muito mais do excelentes localizações para condomínios fechados ou para olivais de regadio. É preciso salvar o que resta e que ainda é muito, temos a obrigação de deixar às próximas gerações um país saudável e não apenas dívida pública e as correspondentes obras em betão e alcatrão.

Não é por haver calor que há mais incêndios, mais grau, menos grau sempre ocorreram vagas de calor e nunca se assistiu a tantos incêndios apesar de os recursos para os prevenir, detectar e combater serem hoje bem mais poderosos do que aqueles de que dispunha no passado. A solução não passa por imaginar o regresso da população ao campo, por valas ou queimadas controladas ou por disparates como a limpeza das matas, como se fossem os pinheiros a única espécie vegetal a proteger.

A solução passa por uma economia do ambiente, por atribuir valor económico a actividades e produções desvalorizadas pelo mercado e que são indispensáveis ao equilíbrio ecológico. A solução passa por uma abordagem global integrando diversas políticas, desde a política agrícola às políticas sociais. A solução passa por uma reflexão séria em que em vez de se ganharem votos seja o país a ganhar o futuro.