O novo patriarca da diocese de
Lisboa era certamente um prelado feliz, na sua apresentação ao rebanho da
capital contou com uma missa que foi uma verdadeira cerimónia de Estado, há
muito que uma igreja portuguesa não mostrava com tanta clareza que há um clero,
uma nobreza e um povo, um clero fiel a Roma e ao colégio episcopal, uma nobreza
crente e praticante e um povo a aplaudir o poder de forma obediente.
Por momentos os protestos
desapareceram e foram substituídos pelo amor, o povo aplaudia efusivamente
Passos Coelho e Cavaco, coisa que já nem se vê na festa do Pontal. O povo
estava unido ao poder sem distinção de classes sociais, com direito a cadeira almofadada
o Soares dos Santos aplaudia o poder com a mesma ternura da velhinha do
Restelo. O clero tratava das coisas de Deus porque as do povo estão entregues a
boas mãos.
Quem tivesse assistido à missa
pensaria que, de repente, o país tinha regressado aos tempos em que os
governantes eram designados por inspiração divina, até o Cavaco Silva parecia
um soberano tendo a seu lado uma Dona Maria a querer dar ares de rainha Sofia.
Sentadinhos em cadeirões de veludo, o mais parecido com tronos que se arranjou
no depósito da dioceses. Mais atrás o monarca deposto mantinha-se firme e hirto
junto à sua cadeira de nobre, enquanto ao seu lado a esposa se mantinha prostrada
de joelhos, como se tivesse às costas todos os pecados do mundo.
O povo, feliz e fiel apoiante da
realeza e do clero, aplaudia efusivamente todos todas as formas de poder que
tivessem um par de pernas. O povo estava em pé e acotovelava-se no espaço que
lhe foi atribuído, aplaudia com os braços esticados para cima. Instalado de
forma mais confortável estavam os nobres deste reino cavaquista, o senhor
Soares dos Santos aplaudia com ternura os governantes.
O país parece ter entrado nos
eixos e para ser perfeito só se os Silvas de Boliqueime fosse reconhecidos como
monarcas por graça de Deus e Passos Coelho fosse promovido a presidente do
conselho de um governo vitalício. Cavaco tem muito mais do que alguma vez Sá
Carneiro imaginou, mais do que uma maioria, um presidente e um governo. Um dia
destes não só vamos assistir a um conselho de ministros presidido por Cavaco,
como veremos a reunião ser antecedida por uma oração dirigida pela dona Maria.
Desde o 25 de Abril que o povo
não tinha assistido a uma missa de Estado, ainda por cima para celebrar o novo
patriarca de Lisboa. Todos rezavam, todos bebiam as palavras do novo bispo,
todos tinham um ar feliz, todos foram aplaudidos, todos se uniram em oração.
Passos Coelho até teve o cuidado de deixar a esposa em casa, longe vão os
tempos em que Sá Carneiro incomodava a Igreja com as suas opções conjugais.