A transformação dos vencimentos dos funcionários públicos no pote que alimenta o enriquecimento fácil dos nossos capitalistas mais falhados era uma evidência com a redução dos fundos comunitários. Há muito que o nosso capitalismo tem recorrido a fontes de financiamento fácil, quando os rendimentos coloniais começaram a falhar e a descolonização deixou de servir de ser o mercado de indústrias menos competitivas foram os fundos comunitários que salvaram este modelo de capitalismo incompetentes.
À muito que a direita percebeu que o próximo pote a financiar um modelo económico assente em corrupção e ineficácia só poderia ser os vencimentos dos funcionários públicos. Cavaco chegou a preparar um despedimento em massa e a converter uma parte dos seus vencimentos em títulos de tesouro, mas faltou-lhe a coragem para ir mais longe. O competente Miguel Cadilhe, o tal senhor que pediu 400 milhões a Sócrates com a garantia de que resolveria o buraco do BPN, descobriu que seria necessário despedir 150.000 funcionários públicos.
Ainda hoje muitos liberais da treta falam deste número mas são incapazes de dizer em que serviços há funcionários a mais. A prova de que esse número é uma mentira está no facto deste governo ter recorrido ao aumento do horário de trabalho para conseguir compensar as aposentações e mesmo assim muitos serviços estão em ruptura. Não podendo despedir Passos Coelho cortou nos vencimentos numa proporção equivalente ao despedimento de mais de 100.000 funcionários. Em vez de os despedir escravizou-os e tem usado o seu dinheiro para financiar as reduções de impostos ou as gorduras do Estado, preparando-se para distribuir o que sobra na próxima campanha eleitoral.
Os funcionários públicos deixaram de ser trabalhadores com direito a uma remuneração pois são tratados como escravos, deixaram de ser considerados cidadãos pois a direita não lhes reconhece o direito à igualdade ou mesmo à remuneração do trabalho. O governo defende que os cortes dos vencimentos são constitucionais não considerando sequer que haja um limite para esses cortes, isto é, as reduções salariais poderão ir até à totalidade dos vencimentos.
Até aqui os funcionários públicos têm suportado tudo, até porque desde o tempo de Salazar que o poder político condicionou o acesso à Função Pública às opções políticas. Uma elevada percentagem dos militantes dos grandes partidos, principalmente dos dois maiores partidos, são funcionários públicos, é o Estado que alimenta as máquinas partidárias, não admirando que os partidos se calem perante tanta injustiça e muitos funcionários se mantenham num silêncio paciente.
Mas há limites para a paciência e começa a ser evidente que nem Passos nem Seguro têm qualquer solução para controlar as contas públicas que não seja os cortes nos vencimentos e que recorrerão a este estratagema enquanto houverem vencimentos para reduzir. Um dia destes a panela de pressão em que se transformou a Função Pública vai ter de estourar e quando isso suceder o país vai perceber não só a dimensão da injustiça que foi cometida, mas também as suas consequências. Talvez alguém se lembre de que um governo que desrespeita intencionalmente a Constituição pode ser levado a julgamento e que um presidente que ignorou e violou o seu juramento deve igualmente responder por isso.