Cavaco parece ser um daqueles crentes que em fim de vida se tornam devotos fervorosos como se estivessem a juntar pontos para entrarem no céu. Parece acreditar que há um céu e que por ainda não ter nascido ninguém mais honesto do que ele tem lugar reservado num condomínio de luxo com vista para Portugal. Daí poderá ver os seus descendentes enfrentar a vida tranquilamente com o que herdaram nos negócios do avô e com os lucros gerados pelo Meo Arena, um bom negócio feito graças a um governo liberal e generoso.
Só que o que Cavaco não irá ver é um provo a recordá-lo como um grande primeiro-ministro e muito menos como um presidente competente. Vão recordá-lo como um político matreiro que sempre deu grande importância à sua imagem e que governou um país como se fosse um quintal do barrocal do Algarve. Um político de vistas curtas, que estragou uma democracia ao criar uma classe de corruptos, esbanjando os recursos que afluíram da CEE em obras da treta para inaugurar em vésperas de eleições e em esquemas de falsa formação profissional.
Agora corre contra o tempo, tenta branquear os erros do passado, como quando recusou uma pensão a Salgueiro Maia ao mesmo tempo que a atribuía a um agente da PIDE-DGS, mal chegou a Belém correu a Santarém homenagear o capitão de Abril, como se com esse gesto o país esquecesse o que tinha feito. Cavaco não preside para o país mas sim para gerir a sua imagem, não fala a pensar no país mas sim na eventualidade de no futuro precisar de recorrer ao que disse ou escreveu para ser ilibado de responsabilidades.
Como primeiro-ministro acabou por falhar, convencido de que os portugueses não o escolheriam para presidente se o PSD estivesse no governo fez a Fernando Nogueira o que não se faz a um adversário, só lhe faltou pedir aos eleitores para que não votassem no seu sucessor. Mas nada ganhou com isso, acabou por perder as eleições contra Jorge Sampaio. Isso custou-lhe dez anos de existência sem mordomias, tempo em que ainda teve sucesso com o famoso negócio das acções da SLN. Durante esse tempo ainda tirou o tapete a Santana Lopes mas nunca assumiu que era ao então primeiro-ministro que se dirigia quando falou em má moeda.
Se o fim do mandato de primeiro-ministro foi o desprezo dos eleitores, o fim do mandato na presidência não vai ser melhor. Cavaco já sabe como vai terminar o seu mandato, ou dará posse ao governo que derrubou para chegar a primeiro-ministro, ou dará posse ao governo que ajudou a derrubar no seu segundo mandato, quando achou que podia ser presidente e primeiro-ministro. Se Seguro sobreviver dará posse a um governo de bloco central, se António Costa conseguir a liderança do PS Cavaco poderá sofrer a humilhação de ter de dar posse a um governo de maioria absoluta dirigido por aquele que era o número dois de Sócrates.
Em qualquer dos casos Cavaco terá um fim triste, fim que merece depois de tanta prepotência enquanto primeiro-ministro, e de incompetência em Belém. Cavaco arrastar-se-á até ao fim de um mandato paupérrimo, que não deixará saudades à democracia portuguesa, um mandato durante o qual Cavaco liderou a direita na conquista do poder, aproveitando-se de uma crise externa que pôs a nu o seu falhanço como primeiro-ministro.