Agora que tanto se fala de quem mandou vir a troika, ainda que ninguém se questione se Cavaco soube, se teve algum papel ou se fez exercer a sua magistratura de influência na diplomacia onde ele ter competências, é bom lembrar que com a entrada em funções deste governo esteve na moda a desvalorização fiscal que, vá-se lá saber porquê, já está esquecida. A ideia era substituir a desvalorização impossível de um escudo que já não existia por uma desvalorização fiscal do factor trabalho, para assegurar a competitividade externa das empresas.
A desvalorização fiscal surge em Portugal apoiada pelo falecido António Borges e por fugido Vítor Gaspar e foi a necessidade de justificar as suas medidas que levou o iletrado Passos Coelho a falar de ir mais além do que a troika ou a inventar o famoso “desvio colossal”. A desvalorização fiscal passava pela redução dos rendimentos dos trabalhadores, transferindo-os para os patrões, dai a tentativa de o fazer aumentando a TSU sobre o trabalho com a correspondente redução da TSU dos patrões. A par disso promovia-se um cocktail fiscal onde se aumentavam todos os impostos suportados pelos trabalhadores e se reduzia a carga fiscal para as empresas.
Como o país se revoltou contra o golpe da TSU o governo optou por um aumento brutal do IRS, enquanto promovia a redução do IRC, os mesmos que se revoltaram nas ruas contra a TSU deixaram-se ludibriar pelo golpe do IRS. Esta manipulação da opinião pública, para o que o governo contou com gente mole como o Seguro ou o Proença da UGT que foi incapaz de opor um modelo alternativo a esta desvalorização fiscal brutal.
Mas se o povo se revoltou contra a TSU uma boa parte dos portugueses aceitaram de bom grado as sucessivas medidas de empobrecimento e desvalorização económica e social dos funcionários públicos, só se apercebendo das consequências destas medidas quando morreram doentes abandonados nas urgências. Até aí ninguém reparou que os funcionários públicos tinham sido condenados a pagar as contas do Estado e que em cima disso ainda tiveram de suportar as famosas gorduras dos Estado.
A par disto deixavam-se cair sectores inteiros da economia por serem considerados desnecessários na medida em que viviam do consumo e não produziam os famosos bens transaccionáveis, estratégia que deixou de fora apenas o sector da distribuição pois aí estavam alguns patrões do governo, como o famoso merceeiro holandês. Passos Coelho cegou a considerar as falências saudáveis para a economia e nem ele, nem Vítor Gaspar estavam muito preocupados com as consequências sociais da eugenia económica que provocavam, problemas como o desemprego ou a emigração eram tidos como indicadores positivos pois mostravam a grandeza da revolução em curso. Passos estava tão convencido do seu sucesso que, apesar da fuga desordenada de Gaspar, ainda via Portugal transformado no país mais competitivo do mundo.
A estratégia era simples, os funcionários públicos pagavam os desequilíbrios das contas do Estado, os pensionistas suportavam os cortes que resultavam de uma reforma do sistema que visava o seu equilíbrio sem quaisquer outras medidas, os trabalhadores do sector privado contribuiriam com reduções salariais para a melhoria da competitividade das empresas. O trabalho financiava o reequilíbrio das empresas e do Estado, todo o país financiava o sistema financeiro, os pensionistas desenrascavam-se, os recursos das empresas desnecessária seriam transferidas para aquelas que eram tidas como competitivas.
A experiência falou com consequências graves para o país, mas o mais cínico de tudo isto está no facto de agora andarem a mostrar uns sinais de crescimento e de criação de emprego conseguido à custa de uma estratégia económica que condenaram e cuja concepção atribuem a Sócrates.