EM Portugal gostamos muito de classificar pessoas, grupos sociais, grupos étnicos ou grupos profissionais em honestos ou desonestos, trabalhadores ou gandulos, em simpáticos ou antipáticos. Os ciganos são trapaceiros, os políticos são corruptos, os banqueiros são forretas, os judeus são manhosos, os juízes estão acima de qualquer suspeita, os magistrados são polícias bons, os polícias fogem das situações complicadas.
Esta forma cartesiana de analisarmos o país misturada com a adoração católica por santos, beatos e demais seres humanos a meio caminho entre o céu e a terra, leva-nos a tratar determinados grupos profissionais como santos, gente acima de qualquer suspeita. É por isso que o coitado do sargento-mor que todos os meses roubava uns trocos na messe foi notícia de primeira página. O pessoal do Cavaco Silva roubou milhares de milhões no BPN, no BPP e, mais recentemente, no BES e com mais uns anos ainda vão ter direito a um lugar no céu.
Passa pela cabeça de alguém que um juiz gay condene a dobrar um homofóbico, que um juiz benfiquista dê pela medida grosa ao réu portista, que um magistrado ressabiado por ter perdido dois meses de férias tudo faça para levar um governante ao tribunal ou que um qualquer magistrado acuse ou condene sabendo que está acusando ou condenado um arguido inocente? Tais coisas nem nos passa pela cabeça, os magistrados são seres superiores, estudaram onde todos estudaram, formaram-se em magistrados numa escola conventual onde turmas inteiras foram apanhadas no copianço, mas todos consideramos que os nossos magistrados foram inoculados pela justiça e devem estar acima de qualquer suspeita, não erram, não são injustos, são todos boas almas.
Mais recentemente foi criado na sociedade portuguesa mais um grupo profissional que foram inoculados pela verdade, pele busca da verdade e pela maior das independências, independência em relação a tudo e a todos, incluindo em relação a Deus e ao patrão. As notícias que os nossos jornalistas produzem são a verdade e só a verdade, podem militar num partido mas na hora de escrever esquecem a sua condição de militantes. Não temem a perda de receitas em publicidade, não recebem nada em troca de um elogio a um modelo de automóvel, não vão a Las Vegas ver o Rock in Rio à conta da EDP. Podemos e devemos confiar nos jornalistas e até devemos votar nos partidos que eles nos sugerem porque para analisar partidos não há ninguém mais honesto do que eles.
Ultimamente tem vindo a surgir mais um grupo profissional acima da carne seca, desta vez foram inoculados pelo dom a exactidão matemáticas, são umas personagens que nem sabemos quem são, mas sabemos que existem pois aparecem sempre que os eleitores vão ser chamados a decidir alguma coisa, são os sondageiros. Gente que com dez entrevistas telefónicas sabem quais são os deputados do distrito de Vila Real que vão ser eleitos nas legislativas. Els não falham e um dia destes teremos que suspeitar de fraude eleitoral quando os resultados das eleições divergirem das sondagens. São tão honestos e certeiros que, em nome da situação de excepção da crise financeira, da mesma forma que se desrespeita a Constituição dever-se-ia poupar o trabalho e o dinheiro que se gasta em eleições inúteis. De que servem as eleições se o sondageiros da Católica, com o dom da exactidão e protegidos pelo divino, já sabem quem vai ganhar e os representantes da Europa nas sondagens já sabem a distribuição dos deputados na Ilha do Corvo com base numa chamada telefónica?