quarta-feira, fevereiro 11, 2009

A generosidade segundo José Sócrates

Durante anos os funcionários públicos foram sujeitos a um emagrecimento forçado, à desvalorização do social do seu estatuto e à equiparação dos aspectos negativos do sector privado, alguns forma mesmo mandados para a antecâmara do desemprego. Mas depois de terem contribuído generosamente para o sucesso no combate ao défice lá veio o momento de generosidade governamental, Sócrates decidiu um aumento do vencimento em 2,9%, isto é, 0,9% acima da inflação sugerida pelo Banco Central Europeu. É caso para dizer “porreiro pá!”.

Desde que o défice orçamental está sujeito às agruras do Pacto de Estabilidade e antes disso ao cumprimento dos critérios estabelecidos para a entrada no Euro que os contribuintes (os que pagam, claro) são sujeitos ao financiamento forçado e antecipado do IRS, graças a tabelas de retenção na fonte manhosas e decididas administrativamente em função da evolução da receita fiscal. EM anos de má previsões os Governos antecipam as receitas aumentando as taxas de retenção, depois não as podem baixar devido ao impacto no défice do ano seguinte. Mas 2009 é um ano de balda orçamental e como Sócrates está preocupado com as dificuldades dos portugueses decidiu ajudá-los (foi esta terminologia usada) e para os que entregam a declaração de rendimentos na primeira fase o reembolso do IRS será processado num mês caso tenham recorrido internet. Quem for infoexcluído ou entregar a declaração na segunda fase (por causa, por exemplo, de uma renda de 50 euros) é considerado rico e não merecedor de ser ajudado com o seu próprio dinheiro. Porreiro pá!

Parece que o ministro das Finanças já descobriu a forma de distinguir os mais ricos dos menos ricos através das declarações de rendimentos. Bem, já era possível distinguir entre machos e fêmeas e com alguma imaginação até poderia distinguir-se entre inteligentes e burros pois os segundos tendem a pagar mais impostos num país de espertalhões. Mas descobrir os ricos (quem não se lembra do famoso caso do Damásio) é mesmo a prova de que o nosso ministro não merecia ser tão maltratado como foi pelo Financial Times. Como Sócrates descobriu que a classe média tem pago impostos a mais prometeu baixar-lhes os impostos conseguindo esse milagre orçamental reduzindo os benefícios ficais dos mais ricos que declaram os seus rendimentos e acedem a esses benefícios. Mas como o OE de 2009 não pode ser alterado essa redução de impostos é uma promessa eleitoral (isto se o Vítor Constâncio não escrever um relatório a assegurar que apesar da boa vontade do Governo tal medida é inexequível) estamos perante uma promessa eleitoral, isto pagámos mais do que devíamos e para beneficiarmos da generosidade de Sócrates temos que voltar a votar. Porreiro pá!

Durante quatro anos os portugueses foram sujeitos ao empobrecimento forçado em nome do equilíbrio das contas públicas, em nome da competitividade promoveu-se a desregulamentação dos mais variados sectores, em defesa da rentabilidade das grandes empresas de sectores como a banca ou as telecomunicações, os organismos reguladores foram transformados em salas de chá. Perante a crise a generosidade governamental faz aparecer milhões por todos os lados, os mesmos contribuintes a quem aumentaram o IVA, o IRS (através da desactualização dos escalões) e os impostos sobre o património são agora chamados a garantir o financiamento dos bancos, os mesmos bancos que lhes cobraram spreads abusivos, taxas por tudo e por nada e que se disfarçam de crédito instantâneo para cobrar TAG da ordem dos 29%. Porreiro pá!

Algumas destas medidas, senão todas poderão ser justificáveis, não tenho dúvidas de que foram ou serão necessárias, mas se me consideraram um ser inteligente quando foi necessário adoptar medidas difíceis, não me podem tratar agora como parvo ao prometerem-me ajuda devolvendo-me uma pequena parte do que me foi tirado e ainda por cima usando-me como garantia para as despesas futuras. É imoral que o ministro das Finanças me diga que me vai ajudar devolvendo-me daqui a dois meses o que me começou a reter quinze meses antes, ou que me tratem como um mendigo dizendo-me que vou resolver todos os problemas com um aumento real do vencimento de 0,9% ou ainda que tenho de agradecer ao ministro da Economia a redução do preço dos combustíveis nos mercados internacionais. Não podem tratar os portugueses como cidadãos inteligentes durante a legislatura e depois transformá-los em burros em período pré-eleitoral.