domingo, fevereiro 01, 2009

Semanada

Há algum tempo atrás, a propósito dos pirralhos que com o apoio alegre dos professores atiraram ovos à ministra da Educação, escrevi um post intitulado “cada um atira o que tem à mão”. Foi isso que os putos fizeram, é isso que fazem todos os grupos organizados em Portugal, cada um joga o que pode em defesa dos seus interesses, independentemente do que isso possa custar ao país.

Em Portugal os grupos corporativos estão pouco preocupados se há uma democracia ou uma ditadura (até viveram melhor em ditadura), se prejudicam ou não os interesses do país, o que lhes interessa é que tudo fique na mesma e para que isso suceda o ideal é que os governos sejam frágeis e que mudem com frequência, assim estarão todo o tempo com medo da mais pequena greve ou manifestação.

Esta foi uma semana marcada pelo poder das corporações, nenhuma greve ou manifestação dos professores poderia ter o impacto político do que uma fuga ao segredo de justiça bem delineada. Desta vez o objectivo é claro, é derrubar um governo, custe o que custar. Ao contrário do que sucedeu no Caso Casa Pia, em que se assistiu ao mesmo espectáculo mediático, nenhuma das personalidades do costume, com António Cluny à cabeça, vem dizer aos portugueses que confiem na justiça.

Desta vez parece que ninguém está muito preocupado que se faça justiça, ninguém nos diz que a justiça será feita, o que se pretende é que a justiça seja feita antes da própria justiça e fora do espaço da justiça ou segundo as suas regras. E quem ouse questionar estes métodos é acusado de defender a corrupção, tal como os que protestava contra o que se assistia no processo Casa Pia eram acusados de defender os pedófilos. Parece que quem defende que seja a justiça a trabalhar é que é criticado, para que os que deviam defender os métodos da justiça sejam os primeiros a boicotá-la, violando os seus mais elementares princípios.

Defender que seja a justiça a investigar, seja o caso Casa Pia ou o caso Freeport, não significa proteger a pedofilia ou a corrupção, é antes defender a justiça que só o é se for feita no respeito pelos princípios constitucionais dos cidadãos, sem o respeito pelas liberdades e garantias dos cidadãos não há justiça, há tribunais plenários e autos de fé. É por isso que os que usam o acesso aos processos para se promoverem a justiceiros, antecipando-se à justiça ou tentando que a mesma seja forçada a antecipar a condenação feita na rua, não passam de fascistas, comportam-se como tal e são-no, além de serem cobardes pois falta-lhes a coragem de o assumir.

Durante a ditadura os fascistas condenavam em tribunais plenários, a PIDE redigia a acusação e os arguidos não tinham direito a esboçar qualquer defesa, tal como os que agora protestam os advogados eram achincalhados por juízes que serviam o regime a troco de pequenas mordomias. Aquilo a que assistimos esta semana foi a um imenso tribunal plenário montado por gente ainda mais cobarde do que os agentes da PIDE pois não deram a cara, e os jornalistas a troco de primeiras páginas lucrativas assumiram o papel de juízes nesse imenso tribunal plenário.

Não são os que os que protestam contra estes métodos que estão contra as investigações e a justiça, são antes os que tentam a todo o custo que hajam condenações sem qualquer direito à defesa.

E da mesma forma que no tempo da ditadura haviam muitos que preferiam ignorar a realidade para defenderem o seu estatuto, também agora não faltam os que preferiram o silêncio. O mais grave é que fazem-no invocando o respeito pela acção da justiça, como se aquilo a que estamos a assistir fosse justiça. Se o PSD tivesse tomado posição contra as fugas aos segredo de justiça estaria a defender a impunidade de Sócrates? É evidente que não, estaria a defender o Estado de direito e essa obrigação deveria ter um valor superior ao da ambição de chegar ao poder. Mas o oportunismo levou o PSD ao silêncio e ficar calado é apoiar os que optaram por fazer justiça pelas próprias mãos, se no caso dos professores Manuela Ferreira Leite prometeu revogar a avaliação, aqui está a apoiar as corporações que vivem à custa do dinheiro dos contribuintes, vivem de mordomias e mantêm a justiça portuguesa num atraso medieval.

Alguns comentadores criticaram-me por tomar posição, não questionaram os argumentos, nem discordaram das posições, simplesmente achavam que deveria ficar calado numa lógica oportunista, discordando de Sócrates a atitude mais inteligente seria deixar os novos fascistas queimarem-no. É isso que muita gente está fazendo, ignorando os princípios que parece só servirem para defender um professor mal educado que chamou filho da puta ao primeiro-ministro, para isso escreveram centenas de páginas de indignação.

Só que uma democracia só é sã, se feita e defendida por gente que respeita os direitos constitucionais dos cidadãos, se ontem a vítima foi Ferro Rodrigues e hoje é Sócrates amanhã pode ser qualquer cidadão, basta que os fasistas bem colocados no poder o tomem como inimigo. A justiça portuguesa foi transformada num nojo, os portugueses têm hoje mais medo dela do que dantes tinham da PIDE, na ditadura os opositores eram acusados de defensores da liberdade, hoje qualquer cidadão mal amado pelos fascistas pode ser acusado de pedófilo ou de corrupto e muito antes de chegar a um tribunal para se defender já está mais destruído do que alguma vez a PIDE conseguiu em relação aos opositores à ditadura.

O medo dos cidadãos de cair na justiça não é por causa dos tribunais e dos juízes, é daquilo a que se costuma designar por “malhas da justiça”. Essas malhas são hoje manipuladas por gente sem escrúpulos, gente que é paga pelos contribuintes para servir o país, mas prefere servir-se desse mesmo país e usar a “justiça” para quem ousar incomodá-los ou retirar-lhe mordomias miseráveis.

PS:

Tomo esta posição em defesa dos mesmos princípios que me levaram a protestar e dizer que o ministro das Finanças não tem formação democrática quando autorizou a IGF a vasculhar os mail dos funcionários do fisco para tentar identificar quem mandava informação para os jornais (o que não tinha sucedido) e, muito provavelmente, identificar o autor deste blogue. Aliás, foram dirigentes do fisco nomeados ou reconduzidos por este Governo que se queixaram ao Ministério Público do autor deste blogue e na sequência disso houve mesmo um pedido de ajuda à Interpol, pedido que não teve sequência por falta de matéria de ordem criminal.

Seria confortável dizer agora que a vingança se serve fria, mas os meus princípios não são transaccionáveis a troco de cobardia ou de pequenas vantagens. Aliás, nesse caso a justiça funcionou e é isso mesmo que também agora defendo, que não seja gente pequena, fascistas de secretaria ou dirigentes cobardes e incompetentes a decidir sobre a vida dos cidadãos, sejam eles autores de um blogue ou o primeiro-minsitro.