quinta-feira, março 05, 2015

Se eu tivesse trinta anos fugia ao fisco

O falecido general Galvão de Melo, o general da Força Aérea que integrou a Junta de Salvação Nacional formada na sequência do 25 de Abril, disse numa entrevista que se tivesse 18 anos seria do MRPP. Se hoje fosse vivo talvez viesse dizer que se tivesse trinta anos namoriscava com as Doce e fugia ao fisco.
  
Pela forma como Passos reagiu parece que é normal um político ter duas fases, uma fase em que não exerce cargos públicos e pode cometer os mais diversos pecadilhos e uma fase em que exerce cargos públicos devendo comportar-se como um cidadão exemplar que cumpre e tem o direito de exigir aos seus cidadãos que cumpram, perseguindo os que não cumprem com penhoras e execuções fiscais.
  
É por isso que Passos sente que não tem que responder por que fez mas apenas pelo que faz e por isso responde que não deve nada e ainda sugere comparações com outros que nem foram ainda condenados, nem estão em condições de igualdade para lhe responderem.  O que Passos diz é que no passado cometeu uns pecadilhos fiscais mas que agora é o grande defensor dos bons valores.
  
Pelos vistos Passos não foi muito competente a fugir ao fisco, cometeu erros de palmatória para quem tem formação económica e se arvora em director financeiro de um grande grupo económico e consultor de empresas. Passos falhou na sua tentativa de se escapar a pagar “meia dúzia” de euros de contribuições para Segurança Social.
  
Mas se lhe podemos perdoar os pecadilhos de uma juventude retardada e a sua falta de conhecimentos elementares em matéria de impostos e contribuições sociais já não lhe podemos perdoar a incompetência enquanto primeiro-ministro. Saber que se tem telhados de vidro e fazer discursos moralistas sobre os cidadãos de um país é correr o risco de vir a ser apanhado. Os seus processos no fisco e na Segurança Social terão passado por dezenas de quadros do Estado e não é difícil de imaginar o que essa gente sentiu em silêncio ao longo destes anos.
  
Como se isso não bastasse a primeira tentativa de fuga foi culpando o Estado, os seus dirigentes e os seus quadros de incompetência. Passos Coelho não justificou o incumprimento das suas obrigações da pior forma, disse que se escapou graças à incompetência do Estado. Isto é, aqueles por cujas mãos passaram as diatribes ficais e contributivas de Passos Coelho ainda viram as suas instituições serem enxovalhadas na paraça pública por um primeiro-ministro, pelo ministro da tutela e até pelos boys que actualmente as dirigem.
  
Se a evasão contributiva é um pecadilho que muitos poderiam perdoar ao jovem Passos Coelho,  o enxovalho e a desautorização do Estado, das suas instituições e dos seus quadros por um primeiro-ministro é inaceitável. Passos Coelho foi incompetente na sua forma desastrada de escapar às contribuições da Segurança Social e voltou a ser desastrado como primeiro-ministro nesta sua segunda fuga, desta vez uma fuga às responsabilidades. 
  
Começa a compreender-se que o seu ódio ao Estado e aos seus quadros é algo mais do que um ódio ideológico, é o ódio de quem se julgava esperto e acima das obrigações assumidas pelo cidadão comum, mas que ficou ressabiado porque alguns funcionários públicos cumpriram com as suas obrigações. 
  
Pode-se perdoar os pecadilhos fiscais ao jovem Passos Coelho, como ele sugere é normal que aos 30 anos e sem cargos públicos se fuja ao fisco. Mas não se pode perdoar a um primeiro-ministro que fuja às suas responsabilidades e muito menos que o faça à custa da credibilidade do Estado e da honorabilidade técnica de muita gente bem mais qualificada e exemplar do que Passos Coelho.