terça-feira, setembro 08, 2009

PREC

Ainda bem que não partilho dos valores de Manuela Ferreira Leite, se os partilhasse teria perdido o sono na noite do debate da líder do PSD com Francisco Louça. Foi deprimente ver uma líder da direita soçobrar ao discurso do líder da extrema-esquerda em defesa das nacionalização, chegou mesmo a dizer que concordaria com Louça não fosse a importância das PME na criação de emprego. A mesma Manuela Ferreira Leite que tanto criticou a “má moeda” quando o PSD teve um discurso anti-banca, optou agora pelo mesmo populismo, ainda que adoptando uma fórmula mais refinada de demagogia.

Ver a Ferreira Leite crucificar as grandes empresas em defesa das PME ao mesmo tempo que Louça defendia a nacionalização da GALP e da EDP fez-me recuar aos tempos do PREC, quando um PSD cobarde emitia comunicados em defesa do socialismo e do Conselho da Revolução.

Enquanto para Louça as grandes energéticas são o diabo, para Ferreira Leite as PME são um modelo de virtudes e o apoio do Estado às grandes empresas foi um crime que justificava a ida do governo de Sócrates para o purgatório. Poderiam muito bem ter trocado os argumentos, de um ponto de vista ideológico nada os impedia.

O que Manuela Ferreira Leite não disse, porque não sabe ou não quer saber, é que uma parte significativa das PME de que fala, uma parte importante das nossas PME, existe graças às encomendas das grandes empresas que, não raras as vezes, são mesmo a razão da sua existência. Somem-se as PME que dependem de grandes empresas, desde as do sector automóvel às da grande distribuição, passando pelas energéticas ou pela banca, considere-se o impacto destas PME na actividade de outras pequenas empresas, acrescente-se as micro-empresas que dependem da despesa dos que trabalham nas grandes empresas e nas PME e digam-me se estou enganado.

Na opinião de MFL não é a Autoeuropa que cria emprego, são as PME que nasceram graças à Autoeuropa que o criam e, portanto, o ministro Manuel Pinho nunca deveria ter apoiado a Autoeuropa, deveria ter canalizado os apoios em exclusivo para as PME que fornecem a fábrica de automóveis.

É evidente que este discurso de MFL não passa de uma deriva oportunista, foi o que ela encontrou à falta de melhor para criticar a política económica de José Sócrates. Se fosse governo depressa o esqueceria.

Só que ao populismo do BE, ao fundamentalismo do PCP tem-se juntado o populismo do PSD, primeiros foi Santana Lopes a crucificar a banca, agora é Ferreira Leite a condenar as grandes empresas. É uma verdadeira orgia política que vai levar muitos portugueses a pensar que poderiam ser ricos se não fossem, as grandes empresas, ou que pagaria a gasolina ao preço da Venezuela se a GALP fosse nacionalizada. O país precisa de soluções e a direita juntou-se à extrema-esquerda para lhe servir utopias.

Uma boa parte das PME que MFL está tão empenhada em apoiar são as empresas que declaram prejuízos há décadas, que empregam trabalhadores emigrantes sem documentos a troco de salários baixos, que vivem dos salários mínimos miseráveis a cujo aumento ela se opôs. MFL não está preocupada em criar emprego, quer criar emprego a qualquer custo, nem que seja mal emprego financiado com os impostos dos portugueses, incluindo os que trabalham nas grandes empresas.

Tal como os argumentos populistas de MFL parecem ser verdades absolutas, também os de Louça parece permitir o milagre de transformar os portugueses nos europeus mais felizes. É verdade que a GALP e a EDP têm grandes lucros, mas seria interessante, por exemplo, dividir os lucros de exploração da GALP pelos litros de combustíveis vendidos e ficaríamos a saber quanto seria a redução no seu preço. Além disso, Louça esquece-se de dizer que Portugal Já não vive num processo revolucionário em curso e a nacionalização dessas empresas obedeceria às mesmas regras que presidiram à sua privatização, o Estado teria de pagar pelas empresas o seu valor de mercado. E onde iria buscar Louça o dinheiro? Nunca o ouvi explicar este pormenor, aliás numa entrevista dada ontem ao jornal Público o líder do BE resolve esta questão de forma brilhante, ao responder em relação às indemenizações "essa é uma questão posterior", isto é, não se discute agora nem os custos, nem as consequências. Louçã é esperto e opta por falar em desprivatizar, só que se esquece que a privatização foi uma venda, o que agora sugere é uma expropriação sem regras. Ou estou muito enganado, ou os portugueses pagaria com língua de palmo cada cêntimo que poupavam em gasolina, se é que em nome da revolução não lhes fosse pedido que continuassem a pagar a gasolina cara.

No debate entre Louçã e Jerónimo de Sousa cheguei a perceber no olhar do líder do PCP o desejo secreto de ter Louça como camarada de partido, o que não seria difícil, depois do trotskista ter abdicado dos seus princípios em nome dos votos e protagonismo que alcançaria com uma aliança com seus velhos inimigos estalinista. No debate entre MFL e Louça conclui que se a líder da direita se juntasse aos netos das suas amigas e aderisse ao BE não teria de fazer qualquer mudança ideológica e a direita portuguesa não perderia grande coisa.