O país está assistindo ao espectáculo mais indigno de que há
memória, uma boa parte dos portugueses aderiram por mero oportunismo à falsa
conclusão de que os funcionários públicos são privilegiados para aceitarem
confortavelmente que uma pequena parte dos portugueses sejam brutalizados e
suportem quase em exclusivo a crise financeira. Os mesmos que em tempos
justificavam os baixos vencimentos no Estado com a estabilidades, concordam
agora com cortes brutais nos vencimentos dos funcionários públicos com o
argumento de que ganham muito acima da média.
Para os ricos é preferível que sejam os que não são ricos a
pagar a crise, para os pobres é preferível que seja a classe média e para os
trabalhadores do sector privado é preferível que sejam os do sector privado. O
governo sintetizou e cada vez que precisa de reduzir défice vai buscar o
dinheiro aos funcionários públicos no activo e aos que se aposentaram. O
governo apregoa um milagre económico e uma boa parte dos portugueses fica
contente porque o vaso caiu em cima do vizinho.
Os funcionários públicos estão suportando as consequências
das más políticas de governos que todos elegeram, estão pagando as
consequências de uma lógica política iniciada por Cavaco Silva segundo a qual
os portugueses votavam nos que faziam mais obras para inaugurar, estão a
pagaras consequências da evasão fiscal, estão a suportar a redução do IRS,
estão a financiar as ajudas ao sistema bancário, estão a pagar o BPN, estão
suportando as perdas resultante da venda do pavilhão Atlântico ao preço da uva
mijona e até estão suportando os lucros chorudos que a família de Cavaco Silva
ganhou com as acções da SLN.
Se for necessário mais um esforço orçamental os portugueses
podem estar descansados, este governo faz mais uma declaração uma calibração ou
uma aproximação ao sector privado e volta a cortar 10% nos vencimentos e
pensões da Função Pública. Os portugueses que não pertencem ao grupo dos
eleitos podem estar descansados, vivem no país sem austeridade, num país onde
desce o IRS, onde só paga impostos quem quer, onde os banqueiros só podem ter
lucros. Os outros portugueses, os funcionários públicos e pensionistas do
Estado, são gente inferior que vive num gueto onde não há direitos, onde os
salários são fixados arbitrariamente.
Esta é a situação de um país onde só há unanimidade no
funeral do Eusébio ou onde só há nação quando o Ronaldo joga, no resto do tempo
somos um povo onde não faltam canalhas, corruptos e oportunista, gente sem
qualquer solidariedade, eleitores que à sua escala são tão oportunistas quanto
os políticos.
Mas é bom que políticos sem princípios e eleitores
oportunistas não se esqueçam de que um dia destes quando estiverem numa
urgência hospitalar o médico que os vai tratar ganha menos do que uma empregada
doméstica, o polícia que vai proteger os seus bens vive pior do que o ladrão, o
engenheiro que verifica a segurança das pontes está ao nível do servente de
pedreiro. Os que agora sorriem porque a austeridade só recai sobre o vizinha
não se esqueçam de que estão colaborando com a destruição do Estado .
Mas é óbvio que se vão esquecer e daqui a uns tempos
políticos, jornalistas e cidadãos comuns vão dizer que os funcionários públicos
são incompetentes, que entram tarde, que não fazem nada e ainda ganham mais do
que os outros. Cada país tem o povo que merece e começa a ser tempo de
considerar todas as equações quando se estudam as causas do nosso
subdesenvolvimento endémico.
Se fizessem aos empregados de uma empresa aquilo que está sendo feito aos funcionários públicos há muito que essa empresa estaria falida. Mas no Estado os funcionários ainda insistem na velha cultura do serviço público e apesar do que lhes é feito ainda se comportam com dignidade. Mas já faltou mais para que comecem a "arrear" e quando isso suceder é bom que os que agora se calam não se esqueçam do seu oportunismo e cobardia.