terça-feira, março 17, 2015

A lista VIP

É legítimo que o Estado se assegure de eu os dados que possui sobe os cidadãos não sejam devassados pelos seus funcionários, dados como a informação fiscal não servem para debate político, para vinganças entre vizinhos ou para identificar o proprietário que insiste em estacionar o seu carro num lugar que considero ser meu. Mas criar um mecanismo que permite atribuir a uma elite política, económica ou social é tão grave como os possíveis abusos que podem ser cometidos com a devassa dos dados. 
  
Nos termos do n.º 3 do artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa:

«A informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis. »

Se é tornado público que um alto quadro com responsabilidades de gestão assumiu tranquilamente perante a presença de centenas de pessoas que existe uma lista VIP que assegurar uma protecção acrescida do direito à protecção de dados de um grupo eleitos em função de critérios políticos ou sociais, uma espécie de jet set do fisco, a tutela do fisco tem a obrigação de assumir se existe ou não tal procedimento claramente violador da Constituição.
  
A resposta do governo à divulgação da possibilidade de existência de uma lista VIP foi titubeante, andou a saltitar-se entre desmentidos e promessas de investigação. Finalmente o governo decidiu comunicar que deu instruções à IGF para investigar. Sucede que a IGF depende da mesma tutela e as suas conclusões serão aprovadas por essa mesma tutela. Imagine-se que a IGF conclui que o governo autorizou ou mandou instalar a lista VIP. Está-se mesmo a ver a ministra das Finanças emitrir um despacho do tipo “Vejo com muito apreço o trabalho da IGF. Determino que o SEAF proceda às demissões de todos os responsáveis e proceda-se à divulgação pública do relatório, não se omitindo as minhas próprias responsabilidades”.
  
Mas o problema não está no critério da escolha, está na legalidade pois a competência para fiscalizar esta situação é da Comissão Nacional da Proteção de Dados (CNPD) e não da IGF. Muito mal estaria a democracia portuguesa se a fiscalização dos direitos dos cidadãos estivesse a cargo de uma polícia privativa de um ministério

A Lei n.º 67/98 de 26 de Outubro, Lei da Protecção de Dados Pessoais (transpõe para a ordem jurídica portuguesa a Directiva n.o 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados) estabelece no seu n.º 1 do artigo 21.º que a " CNPD é uma entidade administrativa independente, com poderes de autoridade, que funciona junto da Assembleia da República.”. O n.º 1 do artigo 22.º da mesma lei é muito claro ao estabelecer que a “CNPD é a autoridade nacional que tem como atribuição controlar e fiscalizar o cumprimento das disposições legais e regulamentares em matéria de protecção de dados pessoais, em rigoroso respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades e garantias consagradas na Constituição e na lei”.
  
Teria sido tudo mais claro, tranquilizador para os cidadãos e transparente se fiscalização da forma como são usados ou se acede aos dados fiscais dos contribuintes fosse da responsabilidade da entidade que para isso tem competências e que depende da Assembleia da República e não de um membro do governo com o sucede com as inspecções-gerais dos ministérios.