Pela forma como Passos reagiu parece que é normal um político ter duas fases, uma fase em que não exerce cargos públicos e pode cometer os mais diversos pecadilhos e uma fase em que exerce cargos públicos devendo comportar-se como um cidadão exemplar que cumpre e tem o direito de exigir aos seus cidadãos que cumpram, perseguindo os que não cumprem com penhoras e execuções fiscais.
É por isso que Passos sente que não tem que responder por que fez mas apenas pelo que faz e por isso responde que não deve nada e ainda sugere comparações com outros que nem foram ainda condenados, nem estão em condições de igualdade para lhe responderem. O que Passos diz é que no passado cometeu uns pecadilhos fiscais mas que agora é o grande defensor dos bons valores.
Pelos vistos Passos não foi muito competente a fugir ao fisco, cometeu erros de palmatória para quem tem formação económica e se arvora em director financeiro de um grande grupo económico e consultor de empresas. Passos falhou na sua tentativa de se escapar a pagar “meia dúzia” de euros de contribuições para Segurança Social.
Mas se lhe podemos perdoar os pecadilhos de uma juventude retardada e a sua falta de conhecimentos elementares em matéria de impostos e contribuições sociais já não lhe podemos perdoar a incompetência enquanto primeiro-ministro. Saber que se tem telhados de vidro e fazer discursos moralistas sobre os cidadãos de um país é correr o risco de vir a ser apanhado. Os seus processos no fisco e na Segurança Social terão passado por dezenas de quadros do Estado e não é difícil de imaginar o que essa gente sentiu em silêncio ao longo destes anos.
Como se isso não bastasse a primeira tentativa de fuga foi culpando o Estado, os seus dirigentes e os seus quadros de incompetência. Passos Coelho não justificou o incumprimento das suas obrigações da pior forma, disse que se escapou graças à incompetência do Estado. Isto é, aqueles por cujas mãos passaram as diatribes ficais e contributivas de Passos Coelho ainda viram as suas instituições serem enxovalhadas na paraça pública por um primeiro-ministro, pelo ministro da tutela e até pelos boys que actualmente as dirigem.
Se a evasão contributiva é um pecadilho que muitos poderiam perdoar ao jovem Passos Coelho, o enxovalho e a desautorização do Estado, das suas instituições e dos seus quadros por um primeiro-ministro é inaceitável. Passos Coelho foi incompetente na sua forma desastrada de escapar às contribuições da Segurança Social e voltou a ser desastrado como primeiro-ministro nesta sua segunda fuga, desta vez uma fuga às responsabilidades.
Começa a compreender-se que o seu ódio ao Estado e aos seus quadros é algo mais do que um ódio ideológico, é o ódio de quem se julgava esperto e acima das obrigações assumidas pelo cidadão comum, mas que ficou ressabiado porque alguns funcionários públicos cumpriram com as suas obrigações.
Pode-se perdoar os pecadilhos fiscais ao jovem Passos Coelho, como ele sugere é normal que aos 30 anos e sem cargos públicos se fuja ao fisco. Mas não se pode perdoar a um primeiro-ministro que fuja às suas responsabilidades e muito menos que o faça à custa da credibilidade do Estado e da honorabilidade técnica de muita gente bem mais qualificada e exemplar do que Passos Coelho.