Conhecedor desta situação o fisco montou uma armadilha aos portugueses e não só cobrou imposto de circulação por viaturas que sabia não existirem como ainda cobrou as competentes multas. Gente que ganhava o ordenado mínimo foi obrigada a pagar dois ordenados em imposto e multas por carros em quarta mão que tinham abandonado há uma década. As repartições encheram-se de filas, foi um sucesso fiscal.
Este é apenas um exemplo de uma actuação que nada tem que ver com combate à evasão fiscal, estamos perante um Estado incompetente que se aproveitar da sua própria incompetência para espoliar cidadãos descuidados ou que não têm tempo para irem para as filas do IMTT às cinco da manhã na esperança de serem atendidos antes do almoço. Este é também um bom exemplo de como se transformam cidadãos cumpridores em cidadãos revoltados. Os cidadãos foram transformados em vacas que vão sendo mungidas através de multas, taxas e penhoras, espremidas até não terem mais leite para dar ao Estado.
Vender a casa a um cidadão para cobrar uma dívida fiscal de 500 euros numa época em que não só se adoptaram medias brutais de austeridade que conduziram à recessão e ao desemprego, como se seguiu uma estratégia que passava pela eliminação de sectores inteiros da actividade económica é condenar cidadãos que já são vítimas do desemprego a ficarem com aquilo que lhes resta, um tecto debaixo do qual dormir. Será que esses quinhentos euros ou mesmo umas centenas desses quinhentos euros deram um contributo importante para a receita fiscal?
Nos últimos anos deram-se passos importantes no combate à evasão fiscal e sem esse sucesso o país não teria escapado a um segundo resgate, mais do que ao rigor do Gaspar ou às patacoadas ideológicas de Passos Coelho a crise foi travada pela eficácia da máquina fiscal. Mas há uma linha que separa o combate à evasão fiscal e aquilo que pode ser designado por pilhagem fiscal, o respeito dessa linha leva os cidadãos a estar do lado de quem combate a evasão fiscal e a aderir a valores de cidadania há muito abandonados. Mas quando essa linha é ultrapassada e os cidadãos receiam ir à rua com medo de vir um fiscal das finanças penhorar-lhe o fato, sendo obrigado a regressar a casa em cuecas, a acção do fisco vira-se contar ele próprio e os que aplaudiam o combate à evasão fiscal começam a ver esta como um gesto libertador.
Quando se penhora abusivamente encomendas postais, quando se penhoram quatro bolos, quando se penhora uma casa por causa de 500 euros e o pobre que foi para a rua tem de aguardar meses para que lhe devolvam os milhares que a casa rendeu no resultado é um sentimento de medo, de aversão aio fisco e o combate à evasão fiscal em vez de promover a justiça e a equidade promove um ambiente de medo e de injustiça.
Ainda por cima sente-se ou pressente-se que esta perseguição fiscal é desigual e fica evidente quando se impedem os menos ricos de recorrer aos tribunais,. elevando o patamar de dívida fiscal a partir da qual se pode recorrer aos tribunais, transformando a justiça no domínio fiscal num privilégio dos ricos. Compare-se a eficácia e o poder exercido pelo fisco junto dos menos ricos com o espectáculo dado com a contribuição extraordinária das empresas do sector energético.
Os pobre ficaram sem a casa e o carro enquanto a EDP e a GALP continuam a rir do governo. Na altura em que estas empresas se recusaram a pagara taxa foi montado um grandioso espectáculo em que altos dirigentes e funcionários do fisco envergaram coletes verdes que os fazia parecer um piquete da Desentope para as televisões verem. A verdade é que até á data os coletes devem ter ficado guardados e não há notícia de as empresas terem cumprido com as suas obrigações fiscais.
O fisco, tal como sucede um pouco com todos os sectores do Estado é forte com os fracos e fraco com os fortes, para uns há as penhoras e as multas sem direito a recurso, para os outros há uma grande panóplia de mecanismos de fuga e quando tudo falha aparece uma amnistia fiscal a bem da Nação.