Desta vez não vou questionar a existência ou não de lista, há quem a queira ver, quem a imagine ter visto, quem tenha a certeza de que deverá haver e quem considere que daria jeito se existisse. Da mesma forma que não me passaria pela cabeça tentar convencer os pastorinhos de que não viram os pastorinhos, também não me vou dar ao trabalho de me meter em assuntos do domínio da metafísica. Mas o comportamento de todos os agentes envolvidos no domínio já não é do domínio da metafísica, são sindicalistas que dizem representar trabalhadores e políticos que representam ou gostariam de representar mais portugueses que representam.
O comportamento do governo foi pouco digno de um governo, reagiu como se a Administração Pública fosse coisa da Extremadura espanhola e quando receou que o assunto o prejudicasse eleitoralmente foi oportunista e incompetente. Foi incompetente porque acenou com uma futura investigação por parte da IGF quando sabe que a competência na matéria é da Comissão Nacional de Protecção de Dados. Foi oportunista porque usou um gesto de dignidade por parte dos dirigentes da AT que colocaram o lugar à disposição para dizer que estes tinham apresentado um pedido de demissão imediatamente aceite. No fim e mesmo sabeno que não havia qualquer lista optou pela tese de que poderia ter existido uma lista mas que fora tudo feito sem o seu conhecimento. Isto é o grau zero da responsabilidade política.
Perante um assunto desta complexidade e sendo evidente que os dados fiscais dos cidadãos e das empresas estavam a ser devassados tranquilamente por mera curiosidade ou por outros motivos bem mais perigosos o candidato a primeiro-ministro optou pelo lado das listas e das listinhas, pouco se importando com a verdade e vendo neste incidente o empurrão nas sondagens que a sua actuação não tem dado. Em vez de questionar o valor importante que é a segurança dos cidadãos e do país, António Costa parece ter bebido uma lata de Red Bull servida pelo sindicalista (que segundo consta recebeu nos bastidores) e ganhou asas. De um futuro primeiro-ministro espera-se sentido de Estado, mas António Costa parece inspirado pelo Syriza e um dia destes ainda se engana e confunde a sua deputada Isabel Santos com a Joana Amaral Dias e arrefinfa com um chocho na agora aliada do PTP. Em vez de se preocupar com o país optou por não resistir à tentação do voto fácil, teve mais olhos do que barriga.
Um sindicalista bloquista à beira de voltar a trabalhar lá para os lados de Barcelos pois tudo apontava para uma derrota em futuras eleições sindicais descobriu que com listas e listinhas vistas no topo de uma oliveira poderia safar-se no castigo e com alguma sorte ainda abichava um lugar de deputado nas listas do PS, transumância que seria conseguida graças ao novo estatuto de herói da liberdade, aliás, com uma Maria de Belém em Belém ainda se arriscaria a ser agraciado com a Ordem da Liberdade. Animado por um futuro tão risonho meteu os cento e tal trabalhadores com processos no bolso e lembrou ao país que o erro destes era algo mais grave do que uma mera infracção disciplinar. Agora, em vez de defender quase duzentos trabalhadores em processo disciplinar arrisca-se a mandá-los para os tribunais responder em processos-crime arriscando-se a penas até dois anos de prisão. Em poucos dias um funcionário que nada ou quase nada deu a a uma instituição pôs em causa um prestígio conseguido ao longo de mais de um século e transformou os seus dez mil colegas em trabalhadores desprestigiados e apontados a dedo na rua. Se este senhor tivesse um pingo de dignidade demitia-se do sindicato e pedia a reforma antecipada.
Este caso das listas e das listinhas serviu apenas para mostrar que esta geração de políticos incompetentes e sem sentido de Estado e de sindicalistas ambiciosos são muito pior do que o equivalente a uma má colheita de vinho na região do Douro, o país enfrenta uma grave crise porque uma boa parte das nossas elites está para a democracia e para o progresso do país como a filoxera esteve para a produção de vinho do Porto. Como é que os partidos que criaram uma geração de jotas onde estão ausentes os valores éticos, a competência e a dimensão humana requerida para o exercício de cargos públicos pode ajudar este país a sair da crise generalizada em que está metido, uma crise que além de financeira é económica, é de valores e com a destruição a que temos assistido uma crise cada vez maior de competência e autoridade da Administração Pública?