sábado, março 21, 2015

O pelourinho do parlamento

Nestes tempos de crise se o anafado deputado Amorim se vestisse de padre franciscano e berrase ao povo que se tinham de queimar o herege Ricardo Salgado a turba da populaça segui-lo-ia em procissão e queimaria o banqueiro como no passado fizeram com os judeus naquilo que ficou conhecido por massacre de Lisboa. Deputados de todos os quadrantes, antigos praticantes de mendicidade no Grupo Espírito Santo, todos os que sempre estiveram disponíveis para se venderem ao banqueiro estariam na primeira fila.
  
Ricardo Salgado não tem direitos, está mais do que condenado e pode ser torturado, humilhado que não faz mal e ai de quem questione se na casa da democracia os cidadãos entram para lhes ser aplicada uma pena de tortura ou de humilhação pública. Não gosto e sou daqueles poucos que neste país nunca gostaram do Ricardo Salgado, independentemente dos méritos que no passado lhe foram legitimamente atribuídos, mas não aceito a forma pouco digna como vejo serem tratados alguns cidadãos deste país nesses julgamentos do Santo Ofício em que se transformaram essas farsas parlamentares designadas por comissões parlamentares de inquérito.
  
Qualquer deputado que por cunha do cacique local, por se ter distinguido a dar graxa ao político promissor ou a putativo vencedor das eleições que se aproximavam comporta-se nessas comissões parlamentares de inquérito como se fossem emires do Califado Islâmico, condenam, enxovalham, gozam cidadãos que se presumem inocentes por mais ódios que lhes possamos ter ou por mais culpas que se venha a provar terem. Mas o parlamento não pode ser transformado numa rua do Estado islâmico.
  
Sujeitar alguém a interrogatórios de horas e horas seguidas durante os quais os interrogadores podem revezar-se, ir ao xixi, fumar um cigarrinho ou fazer um intervalo para descansar, enquanto o interrogado tem de se aguentar. Humilhar sistematicamente o inquirido com tiradas ofensivas e humilhantes  sem que o inquirido possa reagir ou responder porque está obrigado a demonstrar um respeito quase humilhante às bestas que o ofendem. Estar horas e horas  a responder a dezenas de números que lhe são atirados no pressuposto de que tem de ter uma resposta na ponta da língua para todas as dúvidas cujo esclarecimento lhe é exigido na hora. Suportar tudo isto tendo mais de setenta anos é tudo menos o exercício da democracia, as comissões parlamentares de inquérito deviam ser transferidas para o Aljube ou para uma sala do Forte de Peniche ou mesmo de Caxias pois aquilo tem mais semelhanças com uma sala de interrogatórios da PIDE do que com um parlamento.
  
Os deputados podem humilhar quem os elegeu só porque sem qualquer julgamento se sentem no direito de o fazer? Talvez possam, mas se o anafado deputado Amorim falasse para mim como o o tenho ouvido dirigir-se a alguns cidadãos que têm sido torturados na comissão parlamentar de inquérito ter-lhe-ia dado um murro naquelas trombas que há muito me causam repulsa.
  
O mesmo nojo sinto quando um deputado que não conhece um cidadão de qualquer lado usao-o para perante as câmaras e com colegas, familiares, amigos e conhecidos atribuir-lhe filiações partidárias que são falsas para melhor achincalhar um político. Às vezes sinto nojo de ser de uma esquerda onde vejo gente que não consigo distinguir dos esbirros da PIDE que para abater os adversários usaram frequentemente a estratégia da difamação e da humilhação públicas.
  
Alguém tem de dizer àquela gente que no parlamento os “senhores” não são os deputados mas sim os cidadãos que o elegeram, não é o povo que deve respeitar de forma humilhante e indigna os ilustres deputados, são os deputados que devem respeitar e considerar o povo. Devem também respeitar os valores da República e entre esses valores estão a presunção da inocência, a proibição da tortura e da humilhação para obter testemunhos e a separação de poderes para que a justiça não seja feita num pelourinho parlamentar.
  
Há um pequeno erro no meu texto, na verdade muitos deputados desta República que permite que as suas salas sejam salas de tortura e de humilhação não foram eleitos pelo povo mas sim pelos dinheiros dos Ricardos Salgados e de outros fantasmas que tentam afugentar. Há momentos em que sinto uma grande dificuldade em continuar a defender os valores que sempre tive e mesmo em ser adepto de uma democracia, porque aqueles que são os primeiros beneficiados pelos meus valores deviam ter estado na linha da frente dos que foram obrigados a emigrar por causa da crise financeira.