Se a indemnização a conceder a um cidadão que tenha sido vítima de uma qualquer situação acidental, mesmo que não seja da sua responsabilidade e possa ser atribuída ao resultado de uma qualquer negligencia estatal, for decidida por um tribunal, essa indemnização será decidida dez anos depois da situação que a originou. Não raras vezes a indemnização é concedida já depois do cidadão a indemnizar ter sido vítima de morte natural.
Todos os anos há vítimas dos incêndios, todos os anos há pessoas que perdem tudo e empresas que são destruídas. Todos os anos há vítimas de acidentes cujas causas podem ser atribuídas às condições das estradas, nalguns casos em consequência de estradas desenhadas para matar, como era a famigerada IP5, desenhada e construída à pressa para que Cavaco Silva acrescentasse uma inauguração às suas campanhas eleitorais.
Mas a maior parte dessas vítimas não recebem qualquer indemnização, como são vítimas individuais morrem ou sofrem sozinhas, não têm direito a espetáculo televisivo, não assumem dimensão eleitoral, não constituem associações, não são recebidas em Belém ou em São Bento. Mas se forem vítimas coletivas já proporcionam espetáculo televisivo, já merecem viagens e visitas presidências e a oposição, seja qual for o governo, exige imediatamente que sejam concedidas indemnizações à margem de qualquer regime legal, não distinguindo entre as culpas e com prejuízos calculados à pressa.
Confunde-se ajuda com indemnizações, se alguém for vítima de uma negligência pessoal num acontecimento que provoca outras vítimas que não tenham quaisquer responsabilidades, passa a ter direito a uma indemnização que noutras circunstâncias não mereceria. Compare-se as posições assumidas por Marcelo rebelo de Sousa, na sequência dos incêndios de Pedrógão foi cauteloso em relação a indemnizações, agora foi um fartar vilanagem, toca a indemnizar a torto e a direito.
Se, quando houver tempo, um tribunal decidir que alguém não tem direito a uma indemnização porque foi vítima da sua negligência o que se fará? Se uma empresa ardeu porque não cumpriu normas mínimas de segurança estabelecidas na lei e por isso a companhia de seguros não assume as consequências, o que se fará? Parece que há quem defenda que o dinheiro resultante dos impostos deve ser oferecido com generosidade e sem controlo, se daí resultarem likes e votos.
Se amanhã arder apenas uma empresa em consequência de um incêndio resultante de uma negligência pública o Presidente ou os líderes partidários vão visitá-la e exigir que seja ajudado e indemnizado na hora? E o que vai dizer Marcelo e outros dos milhares de processos de pedidos de indemnizações ao Estado em que este recorre de todas as decisões judiciais, adiando o pagamento durante uma década?
Quantos Estados de direito temos, um para quem morre sozinho e outro para quem morre numa calamidade pública? Um para quem tem direito ao Presidente no funeral e outro para quem não é acompanhado na última viagem? Os portugueses não são iguais perante a lei, valem em função do espetáculo que proporcionam e dos likes que proporcionam nas visitas presidenciais ou dos votos que proporcionam aos partidos?
Gostaria de ver o constitucionalista Marcelo Rebelo de Sousa explicar ao princípio da igualdade, o mais importante princípio constitucional, para explicar como fica este princípio num país em que a vítima anónima é privada da justiça e a vítima com direito a gente graúda no funeral ou cuja família tenha direito a abracinhos presidenciais consegue receber a indemnização na hora e sem grandes verificações.