sexta-feira, outubro 06, 2017

O país dos enigmas



A vida política portuguesa tem dado lugar a um jogo nacional, o jogo dos enigmas dos discursos presidenciais. é uma espécie de rally paper organizado pela Presidência da República, cada vez que um presidente faz um discurso o país passa a semana seguinte a tentar descobrir, escondidas nas entrelinhas, o que o presidente disse. Estes discursos tipo perguntas de rally paper foram inventados por ramalho Eanes, continuados por Sampaio, levados ao ridículo por Cavaco Silva e parece que retomados por Marcelo Rebelo de Sousa. O único que falou sem papas na língua e poupando os jornalistas, comentadores e líderes partidários a um esforço inteletual adicional foi Mário Soares, que dizia o que tinha a dizer o que era dispensável pois neste país todos sabiam muito bem o que pensava.


É ridículo ver um país à espera de beber da sabedoria do nosso "Confúcio de Belém" que fala ao país a horas e dias certos. Já sabemos a que horas vai falar na mensagem de ano novo ou do 5 de Outubro. todos sabemos que para além destes discursos e o das posses dos governos, o Presidente fala nas comemorações do 25 de Abril e mais nalgumas ocasiões oficiais. O espetáculo chega a ser ridículo e é sempre o mesmo, na semana anterior todos se interrogam sobre o que o Presidente irá dizer, terminado o discurso começa uma semana em que todos tentam perceber o que ele terá querido dizer.

No tempo de Cavaco o país ficava com  prisão de ventre sempre que o homem falava, nunca se percebia o que queria dizer, salvo quando recordava ao país os avisos que tinha feito no passado. Ainda hoje estão por se entender muitas das suas frases enigmáticas, muitos avisos que deixou no ar e apesar de nas suas contas existirem por cá 80 comentadores profissionais, nem mesmo com os seus livros "póstumos" ou com o livro do Fernando Lima, aquele que durante anos dizia aos jornalistas o que Cavaco ia dizer, conseguiremos alguma vez entender.

Se procurarmos nos jornais as notícias sobre o discurso de Marcelo no dia 5 de Outubro, todas estão envolvidas num grande mistério, todos os jornais se esforça de explicar aos parvalhões dos portugueses o que Marcelo tentou dizer e que só jornalistas muito inteligentes perceberam. O Observador titula "O que disse Marcelo nas entrelinhas este 5 de outburo", o ECO enumera "as três mensagens no 5 de outubro", o Público traduz e titula "o que disse Marcelo e o que quis dizer".

Mas o mais divertido do último rally paper presidencial, agora organizado por Marcelo, foi o país ter retido como grande frase a declaração de Marcelo “Não há sucessos eternos nem reveses definitivos”, algo que costumo dizer muitas vezes de outra forma "se a minha avó não tivesse morrido ainda estaria viva" ou que pode ter outra interpretação segundo um dito popular segundo o qual "não há bem que sempre dure ou mal que nunca acabe".

Os que em vez de aproveitarem a manhã do feriado optaram por se levantar cedo para ouvir Marcelo não terão dado o esforço por perdido, não é todos os dias que um presidente diz uma frase tão enigmática e complexa, digna de ser título de primeira página e ainda hoje de manhã servia para abrir os telejornais. Até ao próximo discurso de Marcelo o país vai tentar perceber o que ele quereria dizer quando declarou que “Não há sucessos eternos nem reveses definitivos”, algo só acessível aos tais 80 comentadores profissionais referidos por Cavaco e mais algumas mentes superiores.

Enfim, neste país perde-se com facilidade a noção do ridículo.